Viagem e morte de Fernão de Magalhães

De Gaspar Correia, que nos anos 1500s serviu por décadas na Índia portuguesa a Affonso d’Albuquerque, duque de Goa, onde faleceu deixando 3.500 páginas manuscritas sobre a história da Índia e sua conquista, publicadas pela primeira vez em meados do século XIX pela Academia Real de Ciências de Lisboa sob o título Lendas da Índia.

 

Fernão de Magalhães se foi a Castella ao porto de Sevilha, onde se casou com uma filha de um homem principal, com tenção de navegar pelo mar, porque entendia muito da arte de piloto. Em Sevilha tinha o imperador a Casa da Contratação, com seus regedores da fazenda, com muitos poderes, e grande tráfego de navegações e armadas para fora. Fernão de Magalhães, atrevido em seu saber, com a muita vontade que tinha de enojar el-rei de Portugal, falou com os regedores da Casa da Contratação, e lhes disse que Malaca e Maluco, ilhas em que nascia o cravo, eram do imperador pelas demarcações que havia de entre ambos; pelo que el-rei de Portugal contra direito possuía estas terras; e que isto ele o faria certo ante todos os doutores que o contradissessem, e a isso obrigaria a cabeça. Ao que os regedores lhe responderam que bem sabiam que ele falava verdade, e o imperador assim o sabia mas que o imperador não tinha navegação para lá, porque não podia navegar pelo mar da demarcação de el-rei de Portugal.

Fernão de Magalhães lhe disse: “Se me derdes navios e gente, eu mostrarei navegação para lá, sem tocar em nenhum mar nem terra de el-rei de Portugal.” E senão que lhe cortassem a cabeça.

Do que os regedores muito contentes o escreveram ao imperador, que lhes respondeu que havia prazer com o dito e muito mais haveria com o feito; que eles tudo fizessem, guardando seu serviço, e as cousas de el-rei de Portugal, que não fossem tocadas; que antes tudo se perdesse. Com a qual resposta do imperador falaram com o Magalhães e com ele muito se afirmaram no que dizia, que navegaria e mostraria o caminho por fora dos mares de el-rei de Portugal; que lhe dessem os navios que pedisse, e gente e artilharia e o necessário, que ele cumpriria o que dizia e descobriria novas terras que estavam na demarcação do imperador, de onde traria ouro, cravo, canela, e outras riquezas. O que ouvido pelos regedores, com grande desejo de fazer tamanho serviço ao imperador como era descobrir esta navegação e por fazerem esta coisa mais certa, ajuntaram pilotos e marujos, que sobre o caso disputaram com o Magalhães, que a todos deu tais razões que concederam no que dizia e afirmaram que era homem mui sabido. Com que os regedores logo com ele fizeram concertos e apontamentos e poderes e regimentos, que mandaram ao imperador, que lhe mandou firmeza de tudo, resguardando as navegações de El-Rei de Portugal sobre todas as cousas; e assim o mandava e defendia, e que ao Magalhães fosse dado o que pedia. Pelo que Fernão de Magalhães foi a Burgos, onde estava o imperador e lhe beijou a mão, e o imperador lhe deu mil cruzados de acostamento pelo gasto de sua mulher enquanto fosse sua viagem, assentado na vassalagem de Sevilha e lhe deu poder de baraço e cutelo em toda a pessoa que fosse na armada de que seria capitão-mór: do que lhe assinou grandes poderes, com que tornado a Sevilha lhe foram concertados cinco navios pequenos, como ele pediu, concertados e armados como ele quis, com quatrocentos homens de armas, em que lhe carregaram as mercadorias que ele pediu.

Os regedores lhe disseram que ele desse as capitanias, do que ele se escusou, dizendo que era novo na terra que não conhecia os homens; que eles os buscassem que fossem bons e fiéis ao serviço do imperador, que folgassem por seu serviço de levar trabalhos e má vida que haviam de passar na viagem. O que lhe os regedores muito tiveram a bem e bom aviso, e que aos capitães que fizessem e gentes que levasse primeiro lhe notificassem os poderes que levava do imperador. O que assim fizeram; e em Sevilha buscaram homens de confiança para capitães, que foram João de Cartagena, Luís de Mendonça, João Serrano, Pero de Quesada. A qual armada concertada, com a gente paga por seis meses, partiu de São Lucas de Barrameda em Agosto do ano de 1519. Com que navegou às Canarias, e fez aguada; onde estando lhe chegou um barco com cartas de seu sogro, em que lhe dava aviso que tivesse em sua pessoa boa vigia, porque tinha sabido que os capitães que levava disseram a seus amigos e parentes que se ele os anojasse que o matariam e se alevantariam contra ele. Ao que lhe respondeu que ele lhe não faria agravos porque eles tivessem razão de o fazer; que por isso ele os não fizera, mas os regedores lhos deram, que os conheciam; que, bons ou maus, ele trabalharia por fazer o serviço do imperador, que a isso ofereceram a vida. A qual resposta o sogro mostrou aos regedores, que muito louvaram o coração do Magalhães.

Partiu-se das Canarias de Tenerife e foi demandar o Cabo Verde, donde atravessou à costa do Brasil e foi entrar em um rio que se chama Janeiro. Ia por piloto-mór um português chamado João Lopes Carvalhinho, o qual neste rio já estivera, e levou um filho que aí fizera em uma mulher da terra. E daqui foram navegando até chegarem ao cabo de Santa Maria, que João de Lisboa descobrira no ano de 1514; e daqui foram ao rio de São Julião, onde estando tomando água e lenha, João de Cartagena, que era sota-capitão-mór, se concertou com os outros capitães que se alevantassem, dizendo que o Magalhães os levava enganados e vendidos. E porque eles entendiam que o Gaspar de Quesada era amigo do Magalhães, o João de Cartagena se meteu no seu batel, de noite, com vinte homens, e se foi à nau de Gaspar Quesada, e entrou a falar com ele e o prendeu, e fez capitão da nau seu parente, para logo todos três irem abalroar o Magalhães e o matarem, e logo renderiam a outra náu de João Serrano, e tomariam o dinheiro e fazenda, que esconderiam, e se tornariam ao imperador o lhe diriam que o Magalhães os levava vendidos e enganados, fazendo traição a seus regimentos, porque ia navegando pelos mares e terras de el-rei de Portugal: do qual feito, primeiro haveriam seguro o imperador. Com que se ordenaram na traição, que lhe mal saiu.

Fernão de Magalhães tinha alguma suspeita desta cousa, e antes que isto fosse, mandou o seu esquife que fosse pelos navios dizer aos capitães que os mestres concertassem seus navios para os pôr a monte e alimpar; e com este achaque deu aviso a um seu criado, que mandou no esquife, que visse o que os capitães respondiam. O qual esquife chegando aos navios alevantados o não deixaram chegar a bordo, dizendo que não fariam mandado senão de João de Cartagena, que era seu capitão-mór. O esquife tornado com esta resposta, o Magalhães falou com Ambrósio Fernandes, seu meirinho, valente homem, e lhe mandou o que havia de fazer, que ia secretamente armado; e por ele mandou uma carta a Luís de Mendonça com seis homens no esquife, que o meirinho escolheu; e foi correndo água para os navios, e mando ao seu mestre que fizesse grande toa com que ele pudesse chegar aos navios, se cumprisse; e tudo assim concertado foi o esquife, e chegando a bordo Luís de Mendonça o não consentiram chegar a bordo. Pelo que o meirinho disse ao capitão que era fraqueza o não mandar entrar, que era um só homem que levava uma carta. Ao que o capitão mandou que entrasse; o qual entrou e lhe dando a carta o levou nos braços, bradando: «Da parte do imperador estais preso!” Ao que entraram os do esquife com espadas arrancadas, com que o meirinho com uma adaga degolou a Luís de Mendonça, que o tinha derrubado debaixo de si, que assim lho mandara o Magalhães. Ao que se alevantou alvoroço; o que ouvido pelo Magalhães mandou largar a toa e com a sua nau foi sobre os outros navios, com a gente armada e artilharia prestes, e chegando ao navio do Mendonça mandou enforcar nas vergas seis homens que se alevantaram contra o meirinho, os quais prenderam os marinheiros da nau, da qual fez logo capitão Duarte Barbosa, homem português seu amigo; e mandou pendurar pelos pés o corpo de Mendonça, que o vissem das outras naus; e mandou a Barbosa que concertasse a gente para ir abalroar um dos outros navios; e por escusar fazer o mal que pudera fazer, pois era português e a gente do imperador, fez manha e falou segredo com um marinheiro de que se fiou, que fugia para a nau do Cartagena, onde de noite correndo água para o navio do Magalhães que estava por popa, e vendo o marinheiro tempo, cortou a amarra ou largou ao navio do Cartagena, com que veio ter sobre o Magalhães, que acudiu bradando: «Traição! traição!» Com que entrou na nau do Cartagena e o prendeu e aos seus e fez capitão da nau um Álvaro de Mesquita, que o Cartagena tinha preso em ferros porque o repreendera do alevantamento que fazia: o que vendo o outro navio logo se rendeu. E ao Cartagena mandou esquartejar com pregão de traidor; e foi também esquartejado o corpo do Luís de Mendoça e os quatro enforcados mandou pôr em terra espetados em paus; com que os castelhanos lhe tiveram grande medo, porque os alevantados teve presos em ferros, metidos nas bombas, três meses que esteve neste rio, em que espalmou e concertou muito bem seus navios.

E querendo partir, mandou soltar os presos, e os perdoou, e mandou que fossem pela terra correndo à borda do rio, até que lhe achassem o cabo em que veriam o mar da outra banda, e qualquer que lhe tornasse com este recado lhe daria cem cruzados de alvíssara. Os quais foram mais de quarenta léguas e tornaram sem recado, e de uma povoação que acharam trouxeram dois homens de quinze palmos de alto. Então mandou o Serrão, porque o seu navio era mais pequeno, que fosse pelo rio descobrir o cabo dele; que foi com grande corrente de agua que o “levava sem vento”, e indo assim encalhou sobre umas pedras em que se perdeu e tornou o batel carregado de gente; onde o Magalhães mandou os bateis, e salvaram tudo, que somente o casco se perdeu. Então mandou pôr na terra dois clérigos que foram no alevantamento, e a um irmão de Cartagena, a que perdoara a rogo do Mesquita, e os deixou assim desterrados.

Então se partiu do rio e correu ao longo da costa até chegar ao rio, a que pôs nome da Vitória, que tinha a terra alta de ambas as bandas. Deste rio lhe fugiu a nau de Mesquita, que não soube se o mataram ou se foi por sua vontade; mas um adivinhador lhe disse que o capitão ia preso e se tornavam para Castela, mas que o Imperador lhe faria mal.

Então o Magalhães, com os três navios que tinha se foi pelo rio dentro, porque correu passante de cem léguas, e saiu da outra banda ao mar largo, onde lhe deu levante à popa, com que correram mais de cinco meses sem amainar, e foram dar em umas ilhas despovoadas, e em uma delas acharam gente selvagem, que vivia em covas debaixo do chão. Foram a outra ilha que lhe davam ouro por peso de ferro, com que recolheram muito ouro; e a gente de boa condição, que tinham rei; gente bem tratada, que tinham guerra com outros vizinhos que mais podiam; pelo que o rei se fez cristão com toda a sua gente, para que o Magalhães o ajudasse contra seus inimigos. Ao que se ofereceu o Magalhães e com a gente armada e com os da terra foi dar nos inimigos, de que matou muitos e lhe queimou o lugar; e os inimigos houveram ajuda de outros, e muitos vieram pelejar com o Magalhães, que os desbaratou e lhe correu o alcanço muito longe. O que fizeram com manha, porque tinham ciladas de gente metidas no mato, que vendo os castelhanos cansados saíram a ele e mataram muitos, e outra cilada saiu do mato a tomar os batéis, que estavam na praia sem gente: ao que saiu o rei, e pelejou com eles, e defendeu os batéis e colheu a gente.

O rei fugido, vendo-se assim desbaratado, tratou traição com o rei cristão, e fez com ele concerto de casamento com sua filha, e com suas juras que morrendo ele, que era já velho, tudo lhe ficaria, e viveriam sempre amigos; porque os castelhanos se haviam de ir e se o não fizesse para sempre lhe faria guerra; e isto com condição que lhe havia de dar modo como matasse os castelhanos. O que o rei cristão, como homem bestial, consentiu na traição e fez grande festa e banquete pelo vencimento, ao que convidou o Magalhães, que foi ao banquete com trinta homens, os mais honrados e bem vestidos; onde estando no banquete folgando, entraram os inimigos armados, que mataram o Magalhães, e arrastando-o o levaram á praia, onde o justiçaram e mataram arrastado.

Os que estavam nas naus, vendo o mal da terra, que contaram os marinheiros que foram nos batéis, alevantaram entre si por Capitão o Carvalhinho, piloto da capitânia, a que todos obedeceram; o qual mandou despejar uma das naus que fazia muita agua, e lhe mandou pôr o fogo no meio do mar, para que os da terra não se aproveitassem do ferro, e fez capitão da nau do Serrão a um Gonçalo Gomes d’Espinosa, que era parente de um outro marinheiro, que também morreu com o Magalhães, que não adivinhou o mal que lhe veio.

As duas naus se partiram daqui, correndo por muitas ilhas, e foram ter em uma que tinha muita canela muito fina. Daqui correndo muitas ilhas, foram ter à ilha de Borneu, onde no porto acharam muitos juncos de mercadores de todas as partes de Malaca, que neste Borneu faziam grande escala, onde o Carvalhinho mandou presente ao rei de panos de grã e seda de cores e outras coisas, com que o rei muito folgou e lhe fez muita honra, e deu seguro que vinte dias estivessem na terra, que assim era costume dar a gentes novas a primeira vez que vinham ao porto, em que podiam comprar e vender francamente quanto quisessem. Mas o rei, sabendo as muitas fazendas que tinham as naus lhe armou traição para os matar e tomar as naus; a qual traição o rei concertou com jáus que estavam no porto em grandes juncos e para o efeito o rei fez muitas honras aos que iam a terra, e mandavam as naus muitos refrescos e licença que estivessem no porto quanto quisessem. Do que o Carvalhinho tomou suspeita, e mandou ter boa vigia de dia e de noite, e não consentiu que fossem a terra senão um ou dois homens; o que vendo o rei mandou rogar ao Carvalhinho que lhe mandasse seu filho, levara o presente, porque seus filhos meninos que o viram choravam pelo ver. O qual lhe ele mandou muito bem vestido com quatro homens, os quais chegando onde estava el-rei os mandou prender; o que sabido do Carvalhinho suspendeu as amarras, e com a gente armada foi abalroar um junco que estava carregado com muita gente para partir; no qual entraram e roubaram muito ouro e ricas peças e tomaram um filho d’el-rei de Lução, que era capitão do junco e de outros três que estavam no porto, que viera neles a casar com a uma filha deste rei de Borneu. No qual acharam ricas cousas de ouro e pedraria que trouxera para suas bodas; onde acharam três moças de estremada formosura, que o Carvalhinho recolheu, dizendo que as levaria ao imperador; com que todos folgaram. Mas ele o não fez assim, que dormiu com elas, com que os castelhanos estiveram para o matar; mas ele partiu com os castelhanos tão largo que foram amigos, porque ele se concertou com o noivo que com os seus fugisse de noite, como fugiram, e por isso lhe deram muita riqueza de pedraria, e de noite se foram a nado, e o Carvalhinho fez que dormia e acordou queixando-se com os da vigia. Mas os castelhanos entenderam a manha, e tomaram o Carvalhinho e o prenderam em ferros, e lhe tomaram quanto tinha e alevantaram por capitão a um João Baptista, mestre da nau, porque sabia de piloto.

Daqui partiram e foram ter a Maluco, a Tarnate e Tidore, onde levaram aos reis os presentes que o Magalhães trazia para eles limitados, que lhe fizeram grandes honras e bons gasalhados, porque também deram aos regedores, e aos reis deram embaixada da parte do imperador, dizendo-lhe suas grandezas, com que ambos logo obedeceram e deram sua vassalagem para sempre, assentando tratos e preços das vendas e compras; com que em terra assentaram feitorias e começaram a ajuntar cravo, que lhes acudia muito porque os castelhanos davam o que lhe pediam, que tinham as mercadorias sobejas; com que eram senhores da terra. E porque as naus estavam mui danificadas lhe fizeram algum adúbio, como melhor puderam e davam pressa a carregar as naus ambas, o que fizeram em um mês; e estando para partir se foi para os castelhanos um português, chamado João de la Rosa, que foi ter a Ternate, dizendo que era piloto e os levaria a Castella; pelo que concertaram com ele que em cada nau lhe davam cincoenta quintais de cravo, para que ele disse que os levaria à ilha de Banda, que tinha mais riqueza que Maluco; com que os castelhanos muito folgaram por levar ao Imperador este homem por mais certeza do seu descobrimento. O qual João de la Rosa deu aviso aos castelhanos que da Índia os haviam de vir buscar e matar a todos, porque na Índia se falava nisso. Ao que os castelhanos lhe deram muito crédito, e por isso lhe faziam muita honra. E concertaram com o rei de Tidore que lhe deixariam feitor com as mercadorias que tinham, porque logo haviam de vir muitas naus que o imperador mandaria, para o que tivessem muito cravo junto; e se partiram, fazendo a de la Rosa capitão da nau do Carvalhinho.

Os quais sendo no mar o soltaram dos ferros pela necessidade que tinham do seu navegar e foram ter à ilha de Banda, onde tornaram ao Carvalhinho sua Capitania e foram ter a Banda, onde tomaram noz e massa por mostra, que não tinham em que a carregar; e conselho tomado por todos, se partiram, que fosse demandar o cabo da Boa Esperança, e daí se navegaram para Castela, que não se atreveram a fazer outro caminho. Com o qual propósito partindo, lhe deu um tempo rijo, com que a nau do Carvalhinho arribou, e a la Rosa seguiu seu caminho.

O Carvalhinho arribou a Maluco, onde descarregou meia nau, com que lhe deu penhores e a concertou o melhor que pode, o que fez em vinte dias, que tornou a carregar e partir, com que do trabalho adoeceu e morreu em partindo; e fizeram capitão da nau outra vez ao Gonçalo Gomes de Espinosa, o qual pelos regimentos do Carvalhinho se meteu ao caminho buscando o rio de que saíram; mas sendo no mar, a nau tornou a abrir tanta água, com que correram à popa a varar na primeira terra que tomaram, que foi na Batochina, em que vararam em terra, de que salvaram da nau pouca cousa. Onde assim estando, chegou a Maluco D. Garcia Henriques, com uma nau a carregar de cravo, que ia de Malaca, que sabendo como ali estavam estes castelhanos os mandou chamar com seu seguro, que viessem todos porque se o não fizessem os haveria por inimigos e logo os iria buscar. Do que os castelhanos, constrangidos de sua fortuna, foram onde estava D. Garcia, como homens perdidos; de que D. Garcia houve piedade e lhe fez bom gasalhado e reparou do necessário, e carregando a nau os embarcou todos consigo, que passavam de trinta e os levou a Malaca, onde estava por capitão Jorge de Albuquerque, que mandou ao feitor que lhes desse mantimento para seu sustimento, e na monção os mandou à Índia, sendo governador D. Duarte; que os mandou assentar em soldo os que quiseram, e defendeu as embarcações do reino que os não levassem, para que não tornassem a Castella, como de feito todos morreram, que só o Gonçalo Gomes de Espinosa passou a Portugal no ano de 525, que em Lisboa foi preso e solto por carta da Imperatriz que mandou a el-rei.

A outra nau seguiu seu caminho, com que o la Rosa foi dar no Cabo da Boa Esperança, que indo já perto da terra a topou Pero Quaresma, que ia para a Índia em uma naveta, e houve fala dela, que lhe disse que era do imperador, que ia de Maluco, e não lhe veio ao entendimento a metê-la no fundo para que não tornára a Castela. E a náu entrou na aguada de Saldanha e daí se foi tomar o Cabo Verde, onde foram em terra tomar água e lenha, onde alguns portugueses, sabendo que a nau ia de Maluco, tomaram em terra o batel com vinte castelhanos que perderam; e porque no porto não havia nenhum navio se meteram no batel para ir tomar a nau; mas a nau, vendo ir o batel com gente armada, que reluziam as armas, levou a amarra, e se foi à vela tomar no cabo de São Vicente, e daí foi entrar em São Lucar com treze homens, que já não havia mais; e chegou no ano de 521.