Uma breve filosofia da música (e um desabafo)

Extrado da Crítica do Juízo de Immanuel Kant . Königsberg, 1790 d.C.

Depois da poesia, se nosso propósito é lidar com o encanto e o movimento mental, eu colocaria aquela arte que se aproxima mais da arte do discurso e pode ser naturalmente unida a ele, a saber, a arte do tom. Sendo a melodia, por assim dizer, a linguagem universal das sensações inteligível a todo homem, a arte do tom a emprega por si mesma, singular em toda a sua força, isto é, como uma linguagem dos afetos, e assim comunica universalmente, de acordo com as leis da associação, as ideias estéticas naturalmente referentes a eles. Isto pode ser traduzido matematicamente sob certas regras, porque tal linguagem se baseia, no caso dos tons, nas relações entre os números de vibrações do ar num mesmo intervalo de tempo, na medida em que estes tons são combinados simultaneamente ou sucessivamente. Mas no encanto e no movimento mental produzido pela música, a matemática certamente não tem qualquer parte. É somente a condição indispensável daquela proporção de impressões na sua combinação e na sua alternância através das quais se torna possível coordená-las e impedir que se destruam umas às outras, e harmonizá-las a fim de produzir uma animação e um movimento contínuo da mente através dos afetos consonantes em cada caso, resultando daí um delicioso gozo pessoal.

Se, por outro lado, estimamos o valor das belas-artes pela cultura que elas fornecem ao espírito e as tomamos como padrão da expansão das faculdades que devem concorrer para o juízo da cognição, a música terá o lugar mais baixo entre elas (assim como tem, talvez, o mais alto entre aquelas artes que são valorizadas pela sua capacidade de deleitar), porque tudo o que ela faz é jogar com as sensações.

De resto, isto confere à música uma certa falta de civilidade, pelo fato de que, fundamentalmente em razão do caráter de seus instrumentos, ela estende a sua influência além do que seria desejado (nos arredores), e assim ela se intromete e agride a liberdade dos outros que não fazem parte da companhia musical. As artes que apelam ao olho não fazem isso, pois se quisermos evitar que elas nos afetem basta virar nossos olhos para outro lado. O caso da música é quase como aquele do prazer derivado de um aroma que se difunde avidamente. O homem que puxa do bolso seu lencinho perfumado atrai a atenção de todos ao seu redor, mesmo contra a vontade deles, e portanto os força, ao menos aos que quiserem respirar, a sentir aquele perfume; por isso este hábito saiu de moda. Aqueles que recomendam o canto de canções espirituais em orações de família não consideram que eles infligem uma grande agrura sobre o público com devoções tão barulhentas (e portanto de um modo geral farisaicas), pois eles forçam os vizinhos ou a cantar com eles ou a abandonar suas meditações.