Sobre a Sonata (e uma pergunta)

De Jean-Jacques Rousseau no Dicionário de Música. Paris, 1768 d.C.

 

Em nossos dias, nos quais a música instrumental é o mais importante ramo da música, as sonatas estão extremamente em voga, junto com a Symphonie, em todas as suas formas. A música vocal é pouco mais que um acessório, e as canções só acompanham seus acompanhamentos. Nós adotamos este gosto pobre a partir daqueles que, buscando introduzir os modos da música italiana em uma linguagem estrangeira a ela, nos forçaram a tentar fazer com instrumentos aquilo que não podemos realizar com nossas vozes. Eu ouso predizer que um gosto tão contrário à natureza não durará. A música puramente harmônica [sem palavras] é parca em substância; a fim de agradar continuamente e evitar o tédio, a música deve elevar-se a si mesma ao nível das artes imitativas; mas esta imitação nem sempre é imediata como aquela da poesia ou da pintura; a palavra é o meio através do qual a música mais comumente determina o objeto cuja imagem ela nos oferece, e é por meio de sons combinados à voz humana que esta imagem desperta no fundo de nossos corações o sentimento que tem por propósito produzir. Quem não se dá conta de quão longe a pura Symphonie, na qual nada mais se busca a não ser o brilhantismo instrumental, está de um tal efeito? Acaso todos os fogos de artifício de um violinista como Monsieur Mondoville evocam em mim a ternura que a voz de um grande cantor produz em duas notas? A Symphonie pode avivar uma canção e acrescentar algo à sua expressividade, mas não pode suplantá-la. A fim de se compreender o que significam todas estas incontáveis sonatas, dever-se-ia seguir o exemplo do pintor inepto que precisa classificar suas figuras: isto é uma árvore, isto é um homem, isto é um cavalo… Eu jamais esquecerei a tirada do célebre Fontenelle, que, vendo-se a si mesmo entulhado com todas estas Symphonies, gritou num rompante de impaciência, “Sonate, que me veux-tu?” – Sonata, que queres de mim?