Rumo à Mente de Deus – Três diálogos herméticos

Dos 42 textos sagrados supostamente revelados no Egito antigo antes do tempo de Moisés e talvez de Abraão pelo deus grego das letras e da magia Hermes, o “Três Vezes Maior,” segundo uma tradição “o maior Filósofo, o maior Sacerdote e o maior Rei,” cultuado pelos egípcios como Thoth “o grande, o grande, o grande,” patrono da astrologia, da alquimia e da teurgia – provavelmente redigidos por místicos neoplatônicos da escola de Amonios Saccas em Alexandria, cerca de duzentos ou trezentos anos depois de Cristo, e traduzidos por Marsílio Ficino em 14 tratados reunidos sob o nome de Corpus Hermeticum, em Florença, no ano da graça de 1493.

 

Poemandres, o Pastor do Homem

Deus revela a Hermes o princípio, o fim e o meio da Sabedoria.

Aconteceu certa vez que minha mente estava meditando sobre as coisas que existem, e meu pensamento foi elevado a uma grande altitude, com os sentidos do meu corpo adormentados – tal como homens sob o peso do sono após uma refeição, ou pela fadiga do corpo.

Contemplei um Ser mais do que vasto, com dimensões além de todos os limites, que me chamou pelo nome e disse: “O que gostarias de ouvir e ver, e o que desejas aprender e conhecer?”

E eu disse: “Quem és?”

Ele disse: “Eu sou o Pastor do Homem (Poemandres), Mente do Todo Poderoso; eu sei o que desejas e eu estou contigo em toda parte.”

[E] eu respondi: “Eu desejo aprender sobre as coisas que existem, e compreender sua natureza, e conhecer Deus. É isto, disse eu, que eu desejo ouvir.”

Ele me replicou: “Guarda em tua cabeça tudo aquilo que gostarias de conhecer, e eu te ensinarei.”

Com essas palavras Seu aspecto mudou, e imediatamente, num piscar de olhos, todas as coisas se abriram para mim, e vi uma Visão infinita, todas as coisas se transformaram em luz – doce, alegre Luz. E eu fui arrebatado enquanto olhava.

Mas num instante a Escuridão começou a descer sobre parte [disso], terrível e tenebrosa, esgueirando-se em obliquidades sinuosas, de modo que vi nela como uma cobra.

E então a Escuridão se transformou em uma espécie de Natureza Úmida, indizivelmente conturbada, vomitando fumaça como se de um fogo, e gemendo algo como uma lamúria impossível de se descrever. E depois disso irrompeu dali um urro desarticulado, como se fosse uma Voz de Fogo.

Assim, emergindo da Luz (…) uma Santa Palavra [Logos] desceu sobre aquela Natureza. E elevando-se para o alto a partir da Natureza Úmida flamejou um Fogo puro; era leve, ágil e ativo.

O Ar, também, sendo leve, se seguiu ao Fogo; saindo da Terra e da Água, subindo rumo ao Fogo, como se estivesse pendurado nele.

Mas a Terra-e-a-Água eram tão misturadas entre si, que não se podia distinguir a Terra da Água. Ainda assim elas eram levadas a ouvir em razão do Verbo-Espírito [Logos] que se disseminava entre elas.

Então o Pastor do Homem me disse: “Entendeste o que esta Visão significa?”

“Não; explica-me,” disse eu.

“Aquela Luz,” disse ele, “sou Eu, teu Deus, a Mente, anterior à Natureza Úmida que emergiu da Escuridão; a Palavra-Luminosa [Logos] que apareceu da Mente é o Filho de Deus.”

“E depois?”, disse eu.

“Saibas que aquilo que ouves e vês em ti é o Verbo do Senhor [Logos]; mas a Mente é o Deus-Pai. Eles não estão separados um do outro; é na sua união que consiste sua Vida.”

“Graças te sejam dadas,” disse eu.

“Então, entendas a Luz [respondeu Ele], e te familiarizes com ela.”

E assim falando Ele me olhou por um longo tempo nos olhos, e assim eu estremeci ao seu olhar.

Mas quando Ele ergueu Sua cabeça, eu vi na Mente a Luz, [mas] agora na forma de Poderes que nenhum homem poderia enumerar, e o Cosmos cresceu além de todos os limites, e o Fogo foi envolvido por um Poder imenso, e [então], dominado, parou.

E quando eu vi estas coisas eu entendi em razão da Palavra [Logos] do Pastor do Homem.

Mas enquanto eu estava estupefato, Ele me disse de novo: “Tu viste na Mente a Forma Arquetípica cujo ser existe antes do início sem começo nem fim.” Assim me falou o Pastor do Homem.

E eu disse: “E como os elementos da Natureza recebem o seu ser?”

A isso Ele respondeu: “Da Vontade de Deus. [A Natureza] recebeu o Verbo [Logos], e contemplando o Belo Cosmos o imitou, fazendo-se a si mesma um cosmos, através de seus próprios elementos e da geração das almas.

“E sendo a Mente Deus, masculina e feminina, como a Luz e a Vida subsistentes, deu origem a uma outra Mente para dar forma às coisas, que, sendo Deus do Fogo e do Espírito, formou Sete Soberanos que envolveram o cosmos perceptível aos sentidos. Os homens chamam ao seu Soberano Destino.

“Diretamente dos elementos inferiores, a Razão [Logos] de Deus saltou para a pura criação da Natureza, e num instante uniu-se à Mente Formadora; pois era co-substancial a ela. E os elementos inferiores da Natureza foram assim deixados irracionais, de forma a serem a Matéria pura.

“Então a Mente Formadora ([sintonizada] à Razão), que circunscreve as esferas e as gira em seu vórtice, determinou, girando-as, suas formas, e as deixou girando a partir de uma origem sem começo até um fim infinito. E por isso a circulação destas [esferas] começa onde termina, e a Mente assim quis.

“E dos elementos inferiores da Natureza emergiram vidas irracionais; pois Ele não estendeu a Razão [Logos] a elas. Do Ar surgiram criaturas aladas; da Água criaturas que nadam, e a Terra-e-a-Água uma da outra se separaram, como queria a Mente. E de seu seio a Terra produziu tudo aquilo que vive, quadrúpedes e répteis, bestas selvagens e mansas.

“Mas a Mente do Pai Universal, sendo Vida e Luz, gerou o Homem igual a Si Mesma e o amou, sendo Seu próprio filho; pois ele era belo além de toda comparação, a Imagem de seu Senhor. Em verdade, Deus se apaixonou por sua própria Imagem; e a ele entregou todas as Suas criações.

“E quando [o Homem] viu aquilo que a [Mente] Formadora criara no Pai, também quis tomar forma; e [assim] lhe foi dado o consentimento pelo Pai.

“Mudando a sua posição para a dimensão formativa, onde ele deveria ter autoridade completa, ele olhou para as criaturas de seu Irmão. Elas se apaixonaram por ele, e cada uma deu a ele uma parte em seus próprios domínios.

“E depois disso ele aprendeu bem a essência deles e se tornou um partícipe em sua natureza; ele tinha uma mente capaz de romper diretamente através dos Limites de suas esferas, e de submeter o poder daquilo que pressionava o Fogo.

“Assim ele recebeu autoridade total sobre todos os mortais no Cosmos e sobre todas as suas vidas irracionais, e virou seu rosto para baixo através da Harmonia, rompendo-a diretamente com sua força, e revelou à Natureza inferior a forma bela e justa de Deus.

“E quando ela viu aquela Forma da beleza que jamais se extingue, e ele que [agora] possuía dentro de si mesmo cada uma das energias de todos [os sete] Soberanos assim como a própria Forma de Deus, ela sorriu com amor; pois era como se ela tivesse visto a imagem da mais bela Forma do homem sobre a sua Água e a sombra dele sobre sua Terra.

“Ele por sua vez, vendo uma forma similar à sua existindo nela, em sua Água, a amou e desejou viver nela; e com a vontade veio a ação, e [assim] ele vivificou a forma desprovida de razão.

“E a Natureza assumiu o objeto de seu amor e envolveu-o totalmente, e eles se entremearam, pois eram amantes.

“E é por isso que acima de todas as criaturas sobre a terra o homem é duplo; mortal em razão do seu corpo, mas imortal em razão do homem essencial.

“Ainda que seja imortal e capaz de dominar todas as coisas, ainda assim ele sofre como sofre um mortal, sujeito ao Destino.

“Assim, ainda que acima da Harmonia, dentro da Harmonia ele se tornou um escravo. Ainda que seja macho-fêmea, como de um Pai macho-fêmea, e ainda que totalmente desperto como quem vem de um [Senhor] desperto, ainda assim ele está sujeito [ao sono].”

Assim [Eu digo: Ensina], ó Mente minha, pois eu mesmo também me apaixonei pelo Verbo [Logos].

E então o Pastor disse: “Eis o mistério que esteve escondido até este dia.

“A Natureza abraçada pelo Homem gerou uma maravilha, ó tão maravilhosa. Pois ele tinha a natureza da Concórdia dos Sete, que, como eu te disse, [foram feitos] de Fogo e de Espírito – a Natureza não perdeu tempo, e imediatamente trouxe à luz sete “homens”, em correspondência às naturezas dos Sete [Soberanos], machos-fêmeas movendo-se no ar.”

Então [eu disse]: “Ó Pastor, agora estou pleno de desejo e anseio de ouvir-te, não vás.”

O Pastor disse: “Silêncio, pois eu ainda não terminei o primeiro discurso [logoi].”

“Eis-me quieto,” disse eu.

“Desse modo, como Eu dizia, se deu a geração destes sete. A Terra era uma mulher, sua Água estava plena de desejo; ela tomou maturidade do Fogo, espírito do Éter. A Natureza formou assim moldes para adaptar a forma do Homem.

“E o Homem, a partir da Luz e da Vida, transmutou-se em alma e mente – da Vida se fez alma, da Luz se fez mente. E assim também por todas as partes do mundo sensível, até o momento de seu fim e de seus novos começos.

“Agora ouça o resto do discurso [Logos] que tanto desejas ouvir:

“Com o fim deste tempo, o laço que ligava todos foi solto pela Vontade de Deus. E todos os animais sendo machos-fêmeas, foram soltos ao mesmo tempo em que o Homem; alguns tornaram-se em parte machos, outros de maneira similar [em parte] fêmeas. E imediatamente Deus falou através de Seu Santo Verbo [Logos]:

“‘Crescei no crescimento, e multiplicai-vos numa multidão, vós criaturas e criações todas; e o ser humano que tem a Mente em si, que ele aprenda a conhecer que ele mesmo é imortal, e que a causa da morte é o amor, embora o Amor esteja em tudo.’

“Quando Ele disse isso, Sua providência, através do Destino e da Harmonia, concretizou seus acasalamentos e fundou suas gerações. E assim todas as coisas foram multiplicadas de acordo com o seu gênero.

“E quem assim aprendeu a se conhecer a si mesmo, atingiu aquele Bem que transcende toda abundância; mas quem através de um amor degenerado, consome seu amor no corpo – este permanece na Escuridão a vagar, e a sofrer através de seus sentidos as vicissitudes da Morte.”

“Qual foi a falta tão grande,” disse eu, “que os ignorantes cometeram, para que fossem assim privados da imortalidade?”

“Parece que tu,” disse Ele, “ó tu, não prestaste atenção àquilo que ouviste. Eu não te dei o pensamento?”

“Sim, eu penso, e eu me lembro, e por isso Te dou graças.”

“Se pensaste [sobre isso,” disse Ele], “dize-me: Por que merecem a morte os que estão na Morte?”

“É porque a Escuridão tenebrosa é a raiz e a base do molde material; dela veio a Natureza Úmida; desta foi composto o corpo no mundo sensível; e neste [corpo] a Morte drena a Água.”

“Pensaste corretamente, ó tu! Mas como ‘aquele que conhece a si mesmo vai a Ele [ao Todo Poderoso],’ como o Verbo [Logos] de Deus declarou?”

E eu respondi: “O Pai universal é feito de Vida e de Luz, Dele o Ser-Humano nasceu.”

“Disseste bem, falando [assim]. Luz e Vida é o Deus-Pai, e Dele nasceu o Ser-Humano.”

“Mas dize-me ainda, Mente minha,” gritei eu, “como hei de retornar à Vida… pois Deus disse: ‘O homem que tem a Mente em si, que aprenda a conhecer que ele mesmo [é imortal]’.

“Então não são todos os homens que têm a Mente?”

“Disseste bem, ó tu, assim falando. Eu, a Mente, eu mesmo estou presente nos homens santos e bons, os puros e misericordiosos, homens que vivem piedosamente.

“[Para eles] minha presença torna-se um auxílio, e imediatamente eles ganham o conhecimento [gnosis] de todas as coisas, e ganham o amor do Pai por suas vidas puras, e dão e Ele graças, invocando-lhe bênçãos, e cantando hinos, voltados a Ele com amor ardente.

“E antes de entregarem o corpo à sua morte apropriada, eles desprezam as suas sensações, pois conhecem as ações delas. Não, sou Eu, a Mente, que não permitirei que essas ações que afetam o corpo, procedam rumo ao seu fim [natural]. Pois sendo o porteiro eu fecho as entradas, e corto fora aquelas atividades mentais que induzem às energias grosseiras e malignas.

“Quanto àqueles que não têm a Mente, os perversos e depravados, os invejosos e gananciosos, e os cativos que praticam e amam a impiedade, deles eu estou muito distante, fazendo-me presente através de um Espírito [Daimon] Vingador, que atiçando o fogo, os atormenta e acrescenta fogo sobre fogo sobre eles, e se precipita sobre eles com grande tormento; e eles não param de sentir desejos pelos apetites desordenados, lutando insaciavelmente nas trevas.”

“Bem, tu me ensinaste tudo, como eu desejava, ó Mente. E agora, rogo-te, conta-me mais sobre a natureza do Caminho Ascendente tal como ele existe agora [para mim].”

A isso o Pastor do Homem disse: “Quando o corpo material for dissolvido, primeiro tu deves render o corpo por si mesmo à obra da mutação, e assim a forma que plasmaste se esvai, e deves render teu caminho de vida, esvaziado de sua energia, ao Espírito-guia [Daimon]. Os sentidos do corpo então retornam às suas fontes, tornando-se separados, e ressuscitando como energias; e a paixão e o desejo se retiram para aquela natureza que é desprovida de razão.

“E é assim que o homem acelera seu caminho ascendente através da Harmonia.

“Na primeira Dimensão ele entrega a Energia do Crescimento e do Declínio; na segunda [dimensão], a Engenhosidade do Mal [agora] desenergizada; na terceira, a Perfídia dos Desejos desenergizada; na quarta, sua Arrogância Dominadora, [também] desenergizada; na quinta, a Ousadia pecaminosa e a Precipitação da Audácia, desenergizadas; na sexta, o Desejo de Prosperidade através de meios perversos, esvaziado de seu excesso; e na sétima Dimensão, a Falsidade Ludibriosa, desenergizada.

“E então, com todas as energias da Harmonia arrancadas dele, revestido de seu próprio Poder, ele chega àquela Natureza que pertence à Oitava [Dimensão], e lá com aqueles que lá estão canta hinos ao Pai.

“Aqueles que lá estão saúdam a sua chegada com alegria; e ele, formado à semelhança deles que lá habitam, escuta ainda os Poderes que estão acima da natureza que pertence à Oitava [Dimensão], cantando seus hinos de louvor a Deus em sua própria língua.

“E então eles, numa procissão, vão para a casa do Pai; as suas próprias personalidades eles submetem por si mesmos aos Poderes, e [então] transformando-se em Poderes eles se unem a Deus. Eis o bom fim para aqueles que conquistaram a Gnosis – tornar-se um com Deus.

“Por que então perdes tempo? Que não seja assim, pois tu recebeste tudo, para que reveles aos mais dignos o caminho, de modo que através de ti a raça dos mortais possa por [teu] Deus ser salva?”

Ao dizer isto, o Pastor do Homem se misturou aos Poderes.

Mas eu, com graças e louvores ao Pai dos [Poderes] universais, fui libertado, pleno da força que ele derramou em mim, e pleno daquilo que Ele me ensinou sobre a natureza do Todo e da mais alta Visão. E eu comecei a anunciar aos homens a Beleza da Devoção e da Gnosis:

“Ó vós todos, gente nascida da terra, vós que vos entregastes vós mesmos à embriaguez, ao torpor e à ignorância de Deus, fazei-vos sóbrios, abandonai os vossos excessos, deixai de vos deslumbrar em vosso sono irracional!”

E quando eles ouviram, vieram todos em concórdia. E por isso eu digo:

“Vós, gente nascida da terra, por que vos entregastes à Morte, se ainda tendes o poder de participar da Imortalidade? Arrependei-vos, ó vós, que falais de braços dados com o Erro e fazeis da Ignorância um membro de vosso conselho; arrancai-vos da luz da Escuridão, e tomai vossa parte na Imortalidade, abandonai a Destruição!”

E alguns deles murmurando coisas entre seus lábios se afastaram [de mim], entregando-se a si mesmos à Via da Morte; outros aceitaram ser ensinados, lançando-se aos meus pés.

Mas eu os ergui, e me tornei o líder da Raça rumo à casa, ensinando as palavras [logoi], isto é, como e de que modo eles deverão ser salvos. Eu semeei neles as palavras [logoi] de sabedoria; da Água Imortal lhes dei de beber.

E quando a tarde chegou e todos os raios do sol começaram a se apagar, eu fiz com que todos dessem graças a Deus. E quando eles levaram a cabo seus agradecimentos, cada homem retornou para o seu próprio local de repouso.

Mas eu registrei em meu coração o benefício do Pastor do Homem, e comigo toda esperança mais se preenchia do que se regozijava. Pois o sono do corpo se tornou o despertar da alma, e o fechar dos olhos a verdadeira visão, com minha quietude prenha do Bem, e minha palavra [logos] gerando coisas boas.

Tudo isso se precipitou sobre mim de minha Mente, ou seja do Pastor do Homem, Verbo [Logos] do Todo Poderoso, através de quem, inspirado por Deus, eu cheguei à Plena Verdade. Assim, com toda a minha alma e força dou graças a ti, Deus Pai.

Santo és Tu, ó Deus, Pai universal.

Santo és Tu, ó Deus, cuja Vontade se aperfeiçoa a si mesma através de seus próprios Poderes.

Santo és tu, ó Deus, que desejas ser conhecido e és conhecido por Ti mesmo.

Santo és Tu, ó Deus, que através do Verbo [Logos] faz existir tudo o que existe.

Santo és Tu, de quem toda natureza foi feita Imagem.

Santo és tu, cuja Forma a Natureza jamais criou.

Santo és Tu, mais poderoso do que todo poder.

Santo és Tu, transcendendo toda preeminência.

Santo és Tu, Tu superior a todo louvor.

Aceita as ofertas puras de minha razão, da alma e do coração tensionados a Ti, ó Tu, impronunciável, inefável, cujo Nome nada a não ser o silêncio exprime.

Dá ouvidos a mim que te rogo, para que eu jamais abandone a Sabedoria, a Gnosis que é a natureza comum do nosso ser; e preenche-me com Teu Poder, e com esta [tua] Graça, para que eu dê a luz àqueles que ignoram a Raça, meus irmãos, e Teus Filhos.

Nesta causa eu acredito, e porto testemunho; eu vou à Vida e à Luz. Bendito és tu, ó Pai. Teu homem há de ser santo como Tu és santo, pois Tu deste a ele plena autoridade [para sê-lo].

 

A Chave

Hermes revela ao discípulo Tat como Deus move todas as coisas e purifica os homens.

Hermes: Meu discurso [logos] de ontem eu devotei a ti, Asclépio, e assim convém que eu devote o de hoje a Tat: tanto mais porque esta é a síntese dos Discursos [Logoi] Gerais que ele ouviu.

Assim, Deus, o Pai e o Bem, Tat, têm a mesma natureza, ou mais exatamente, energia.

Pois a natureza é um predicado do crescimento, que se usa para as coisas que mudam, tanto móveis quanto imóveis, ou seja, tanto humanas quanto divinas, cada uma das quais Ele quis que existisse.

Mas a energia consiste em outra coisa, como mostramos ao tratar do resto, tanto das coisas divinas quanto das humanas; algo que devemos ter em mente ao tratar do Bem.

A energia de Deus é assim a Sua Vontade; além disso a sua essência é querer a existência de todas as coisas. Pois o que significa “Deus, o Pai e o Bem” senão o “Ser” de tudo o que ainda não existe? Sim, um “si mesmo” subsistente em todas as coisas que existem; este, portanto é Deus, e é o Pai e é o Bem; a Ele nada se acrescenta de todo o resto.

E embora o Cosmos, ou seja o Sol, também seja senhor de si mesmo para aqueles que partilham dele; ainda assim, na medida em que ele não é a causa do bem em suas vidas, ele não é tampouco do seu viver.

Assim, mesmo que ele seja senhor, ele o é totalmente pela compulsão da Boa-Vontade do Bem, fora da qual nem o ser nem o devir jamais existiriam.

Mais uma vez, o pai é a origem do filho, tanto do lado do pai quanto do lado da mãe, somente quando partilha o desejo do Bem [que se irradia] através do Sol. É o Bem que realiza a criação.

E tamanho poder não pode ser possuído por mais ninguém a não ser Ele sozinho, que não toma nada, mas quer que todas as coisas existam; Eu não direi, Tat, que “faz” [todas as coisas].

Para tanto o criador fica inativo por longos períodos, tanto em relação à qualidade quanto em relação à quantidade [das coisas que ele faz]; neles ele por vezes as faz muitas e parecidas, as vezes o inverso.

Mas “Deus e Pai e o Bem” é [causa] de tudo o que existe. Assim existem todas as coisas, ao menos para aqueles capazes de ver.

Pois Ele quer ser, e Ele é tanto si mesmo quanto, acima de tudo, o é por si mesmo. De fato, todas as outras coisas são só por causa Dele; pois a característica distintiva do Bem é “que deve ser conhecido”. Tal é o Bem, ó Tat.

Tat: Preencheste-nos, ó pai, tão completamente com esta visão tão bela e boa, que a partir de então meu olho da mente se tornou para mim quase uma coisa a ser adorada.

Pois esta visão do Bem, diferentemente dos raios do sol, não chamusca os olhos como o fogo, forçando-nos a fechá-los; não, ao contrário, ela reluz e aperfeiçoa a visão do olho, para sempre, até onde o homem for capaz de suportar o influxo da irradiação que só a mente pode ver.

Não só recai mais prontamente sobre nós, mas não nos causa qualquer mal, ínsita com toda a vida imortal.

Aqueles que são de algum modo capazes de beber desta Visão mais do que os outros, muita vez a partir do corpo adormentado neste mais belo dos Espetáculos, como foi o caso com Uranus e Cronus, nossos antepassados. Que esse seja também o nosso lote, ó meu pai!

Hermes: Sim, assim seja, meu filho! Porém, ainda não estamos fortes para a Visão, e ainda não temos o poder do nosso olho da mente para desvelar e contemplar a Beleza do Bem – Beleza que nada pode corromper e nada pode limitar.

Pois tu só poderás contemplá-la quando não puderes dizer nenhuma palavra a seu respeito. Pois o Conhecimento [Gnosis] do Bem é o santo silêncio e uma festividade santa para todos os sentidos.

Pois aquele que a percebe, não percebe mais nada; nem aquele que a contempla, contempla qualquer outra coisa, nem move seu corpo em nenhuma direção. Aquietando cada sentido e cada movimento de seu corpo ele permanece em silêncio.

E reluzindo assim ao redor de sua mente, ela brilha através de toda a sua alma, e a extrai do seu corpo, transformando-o inteiro até a sua essência.

Pois é possível, meu filho, que um homem venha a ser feito semelhante a Deus, mesmo quando ainda está no corpo, se ele contempla a Beleza do Bem.

Tat: Feito semelhante a Deus? O que, pai, queres dizer?

Hermes: Em cada alma apartada há transformações, filho.

Tat: Que queres dizer? Apartada?

Hermes: Não ouviste, nos discursos gerais, sobre como daquela Alma única – a Alma do Mundo – surgem todas estas almas que são levadas a girar por todo o cosmos, como se fossem separadas?

E o vício da alma é a ignorância. Por isso a alma que não tem conhecimento das coisas existentes, ou conhecimento de sua natureza, ou do Bem, está cegada pelas paixões e por elas é atribulada.

Esta alma miserável, não sabendo quem é, torna-se deploravelmente escrava de corpos de formas estranhas, sobrecarregando o corpo qual um saco; não como sua dominadora, mas como dominada. Esta [ignorância] é o vício da alma.

Por outro lado, a virtude da alma é a Gnosis. Pois aquele que conhece é bom e piedoso, e já sobre a terra é divino.

Tat: Mas quem é assim, ó meu pai?

Hermes: Aquele que não fala em demasia ou que não empresta seus ouvidos em demasia. Pois aquele que gasta seu tempo discutindo ou ouvindo discussões, se debate nas sombras. Pois não obtemos “Deus, o Pai e o Bem” discorrendo ou ouvindo.

E ainda assim, há em todas as criaturas sensações, já que elas não podem existir sem sensações.

Mas a Gnosis é muito diferente da sensação. Pois a sensação surge através daquilo que domina em nós, enquanto a Gnosis é o fim, o escopo, da ciência e do conhecimento, e a ciência e o conhecimento são o dom de Deus.

Toda ciência e conhecimento são incorpóreos, sendo a mente o instrumento que eles usam, assim como o a mente emprega o corpo.

Desse modo ambas vêm nos corpos, [digo] ambas as coisas, as que são cognoscíveis só pela mente, e as coisas materiais. Pois todas as coisas são constituídas pela antítese e pela contrariedade; e não pode ser de outro jeito.

Tat: Quem então é este Deus material de quem falas?

Hermes: O Cosmos é belo, mas não bom – por isso ele é material e livremente passivo; e embora seja a primeira de todas as coisas passivas, está em segundo lugar na escala do ser e é insuficiente em si mesmo.

E ainda que ele mesmo jamais tenha tido um nascimento no tempo, mas exista desde sempre, ainda assim é o seu ser em transformação, transformando-se todo tempo na gênese das qualidades e quantidades; pois é móvel e é a gênese de todo movimento material.

É a quietude inteligível que move os movimentos materiais deste modo, uma vez que o Cosmos é uma esfera – isto é, uma cabeça. E nada acima da cabeça é material, assim como embaixo dos pés nada é inteligível, mas totalmente material.

E a cabeça mesma é movida de um modo esférico – ou seja, como uma cabeça deveria mover, na mente. Todas as coisas portanto que são unidas à “trama” desta “cabeça” (na qual está a alma) são em sua natureza livres da morte – assim como quando o corpo se faz alma –, são coisas que têm mais corpo do que alma.

Ao passo que aquelas coisas que estão a uma maior distância desta “trama” – lá, onde estão as coisas que têm mais parte no corpo do que na alma – são por sua natureza sujeitas à morte.

O Todo, no entanto, é uma vida; de modo que o universo é constituído tanto pelas realidades materiais quanto pelas inteligíveis.

Mais uma vez, o Cosmos é o primeiro dos seres vivos, enquanto homem é o segundo, logo depois, ainda que seja a primeira das coisas sujeitas à morte.

O homem tem o mesmo poder anímico em si como todas as demais coisas vivas; ainda assim ele não somente é bom, mas também mau, e por isso está sujeito à morte.

Pois embora o Cosmos também não seja bom, no sentido em que está em mutação, não é mau, uma vez que não está sujeito à morte. Mas o homem, estando sujeito tanto à mutação quanto à morte, é mau.

Ora, os princípios do homem são concretizados desta forma: a mente na razão [logos], a razão na alma, a alma no espírito, e o espírito no corpo.

O espírito disseminado pelo corpo através das veias e das artérias e do sangue, confere aos seres vivos o movimento, e também os nutre de um certo modo.

Por este motivo alguns pensam que a alma é sangue, equivocando-se sobre sua alma, não sabendo que [na morte] é o espírito que deve primeiramente se retrair na alma, onde o sangue coagula e as veias e artérias são esvaziadas, e então a criatura (ou vida) se retrai; e esta é a morte do corpo.

De uma Fonte todas as coisas dependem; enquanto a Fonte [depende] do Uno e Único Um. A Fonte é, além disso, transformada para se tornar Fonte de novo; ao passo que o Um permanece e não se transforma.

Eles são portanto três: “Deus, o Pai, e o Bem”, o Cosmos e o homem.

Deus contém o Cosmos; o Cosmos [contém] o ser humano. O Cosmos é eternamente o Filho de Deus, e o homem é como se fosse o rebento do Cosmos.

Não que, contudo, Deus ignore o ser humano; não, Ele o conhece muito bem, e quer ser conhecido.

Esta é a única salvação para o homem – a Gnosis de Deus. Este é o Caminho para o Cume da Montanha.

Só através Dele a alma se torna boa, não ora boa, ora má, mas necessariamente [boa].

Tat: Que queres dizer, Três Vezes o Maior?

Hermes: Olha a alma de uma criança, meu filho, que ainda não foi desmembrada, porque seu corpo ainda é pequeno e ainda não chegou em sua plena maturidade.

Tat: Como?

Hermes: Uma coisa maravilhosa é ver [uma tal alma], ainda não conspurcada pelas paixões do corpo, ainda totalmente pendurada na Alma Cósmica!

Mas quando o corpo cresce em corpulência e absorve a alma em sua massa, então a alma se desmembra e desencadeia em si o esquecimento, e já não participa da Beleza e do Bem. E este esquecimento se torna vício.

Dá-se o mesmo para aqueles que se vão do corpo.

Pois quando a alma se contrai em si mesma, o espírito se contrai dentro do sangue, e a alma dentro do espírito. E a mente, desnudada de seus envoltórios, e naturalmente divina, tomando em si um corpo ígneo, atravessa qualquer espaço, após abandonar a alma ao seu julgamento e a qualquer castigo que for merecido.

Tat: O que queres dizer, pai, com isso? A mente parte da alma e a alma do espírito? Outrora disseste que a alma é a veste da mente, e o espírito a veste da alma.

Hermes: Quem ouve, filho, deveria pensar com aquele que fala e respira com ele; ele deveria ter uma audição mais sutil do que a voz daquele que lhe fala.

É num corpo feito de terra, filho, que esta coisa das vestes se dá. Pois em um corpo feito de terra é impossível que a mente venha a tomar seu próprio posto por si mesma em sua nudez.

Pois nem é possível, por um lado, que o corpo terreno venha a conter muita imortalidade, nem, por outro lado, que tanta virtude possa perdurar em um corpo passivo num contato tão próximo com ela. Ele toma, então, a alma como uma espécie de invólucro.

E a própria alma, também sendo uma coisa divina, usa o espírito como seu invólucro, enquanto o espírito se dissemina por todo o ser vivo.

Quando a mente liberta a si mesma do corpo terreno, ela é imediatamente envolvida pelo seu próprio manto de fogo, com o qual ela não poderia permanecer em um corpo terreno.

Pois a terra não suporta o fogo; já que tudo se incendeia, mesmo com uma fagulha qualquer. E por essa razão a água foi derramada ao redor da terra, para ser uma sentinela e uma muralha, para manter a chama do fogo afastada.

Mas a mente, a coisa mais ligeira dentre todos os pensamentos divinos, mais ligeira que todos os elementos, tem como corpo o fogo.

Pois a mente sendo uma construtora usa o fogo como uma ferramenta para a construção de todas as coisas – a Mente do todo [para a construção] de todas as coisas, mas a do homem somente para as coisas da terra.

Despida de seu fogo a mente na terra não pode fazer as coisas divinas, pois é humana em sua dispensação.

A alma no homem, contudo – não toda alma, mas uma que seja piedosa – é algo espiritual [daimonico] e divino.

E tal alma, quando livre do corpo, se tiver combatido o combate da piedade – ou seja, conhecer Deus e não fazer mal a nenhum homem – tal alma se torna mente de modo integral.

Enquanto a alma ímpia permanece em sua própria essência, castigada por seu próprio eu, e buscando um corpo terreno no qual entrar, se ao menos for humano.

Pois nenhum outro corpo pode conter uma alma humana; nem é certo que qualquer alma humana devesse decair num corpo de algo que não possui razão. Pois a lei de Deus é esta: guardar a alma humana de um ultraje tão tremendo.

Tat: Como então, pai, a alma dos homens é castigada?

Hermes: Qual maior castigo pode haver para a alma humana, filho, do que a falta de piedade? Qual fogo tem uma chama tão feroz quanto a falta de piedade? Qual besta selvagem dilacera tanto o corpo quanto a falta de piedade faz com a própria alma?

Não vês as hostes de males que a alma ímpia porta em si?

Ela guincha e berra: “eu queimo, estou em chamas; eu não sei o que gritar ou fazer; ah, ai de mim, eu sou devorado por todos os males que me cercam; ai, pobre de mim, não vejo nem ouço [nada]!”

Tais são os gritos que uma alma castigada solta. Assim, ao partir do corpo a alma humana não se transforma, como muitos pensam e tu, filho, supões, em um animal.

Esse é um grave erro, pois o modo pelo qual uma alma é punida é este:

Quando a mente se torna um espírito [daimon], a lei exige que tome um corpo ígneo para executar os serviços de Deus, e entrando na alma mais ímpia a açoite com flagelos feitos de seus pecados.

E então a alma ímpia, açoitada por seus pecados, mergulha em assassinatos, ultrajes, blasfêmias, em violência de todos os tipos, e todas as outras coisas pelas quais a humanidade é pervertida.

Mas na alma pia o espírito se eleva e a guia à sua Luz da Gnosis. E tal alma jamais se cansa de cantar louvores [a Deus] e de derramar bênçãos sobre todos os homens, e de fazer o bem em gestos e palavras a todos, imitando o seu Senhor.

Por isso, meu filho, tu deves louvar a Deus e orar para que tua mente seja a Boa Mente. É então que a alma passa a um melhor estado; não pode passar a um pior.

Depois, há um intercurso de almas; as dos deuses têm intercurso com as dos homens, e as dos homens com as almas das criaturas que não possuem razão.

A mais alta, além disso, se encarrega da mais baixa; os deuses olham pelos homens, os homens pelos animais irracionais, enquanto Deus cuida de todos; pois Ele é maior do que todos eles e todos são menores do que Ele.

O Cosmos está submetido, portanto, a Deus, o homem ao Cosmos, e os seres irracionais ao homem. Mas Deus está sempre sobre todos, e Deus contém a todos.

Os raios de Deus, para usar uma figura, são Suas energias; os raios do Cosmos são naturezas, as artes e ciências são os raios do homem.

As energias agem através do Cosmos, e então, através dos raios-natureza do Cosmos, sobre o homem; os raios-natureza [agem] através dos elementos, o homem [age] através das ciências e das artes.

Esta é a dispensação do universo, dependente da natureza do Um, permeando [todas as coisas] através da Mente, não havendo energia mais divina ou maior; nem maior meio para a conciliação com os deuses e dos deuses com os homens.

Ela, [a Mente], é o Bom Daimon. Abençoada a alma que é mais plena Dela, e miserável é a alma que é desprovida da Mente.

Tat: Pai, que queres dizer agora?

Hermes: Pensas, filho, que toda alma tem a Boa [Mente]? Pois é Dele que estamos falando, não da mente em relação à qual falávamos há pouco, a mente enviada para baixo para o [castigo da] alma.

Pois a alma sem a mente “não pode falar ou agir.” Pois com frequência a mente abandona a alma, e nesse momento a alma não vê nem entende, mas é como uma coisa que não tem razão. Tal é o poder da mente.

Contudo, ela não suporta uma alma tarda, mas deixa almas assim ligadas ao corpo e firmemente presas embaixo por ele. Tal alma, meu filho, não tem a Mente; e portanto um tal sujeito não deveria ser chamado ser-humano. Pois o ser-humano é um ser vivo ou um animal divino; o ser-humano não pode ser mensurado com o resto dos seres vivos ou criaturas sobre a terra, mas com as vidas acima no céu, que são chamados deuses.

Mais ainda, se devemos dizer ousadamente a verdade, o verdadeiro “ser-humano” é até maior do que os deuses, ou [ao menos] os deuses e os seres-humanos têm o mesmo poder, cada um igual ao outro.

Pois nenhum dos deuses no céu descerá à terra, ultrapassando os limites do céu; enquanto o ser-humano sobe ao céu e o mede; ele sabe quais coisas nele que são altas, quais são baixas, e aprende precisamente todas as outras coisas além dessas. E a maior de todas as coisas; sem sequer abandonar a terra, ele sobe ao céu; tão vasto é o alcance de seu êxtase.

Por esta razão um homem pode ousar dizer que o ser-humano na terra é um deus sujeito à morte, enquanto um deus no céu é o ser-humano imune à morte.

Portanto a ordem de todas as coisas se dá através disto: da dupla Cosmos e Homem; mas [eles são governados] pelo Um.

 

O Sermão da Montanha Secreto

O pai revela a um filho como morrer homem e renascer um deus, ou Filho de Deus.

Tat: Nos Sermões Gerais, pai, tu falaste em enigmas muito nebulosos, conversando sobre a Divindade; e quando disseste que nenhum homem jamais poderá ser salvo antes do Renascimento, preferiste não revelar o que pensavas.

Depois, quando eu me tornei teu Suplicante, subindo a duras penas a montanha, após teres conversado comigo, e quando eu desejei aprender a Doutrina [Logos] sobre o Renascimento (pois isto além de todas as coisas é justamente aquilo que eu não conheço), disseste, que ma concederias “quando te tornares um estrangeiro para o mundo.”

Desde então eu me preparei e passei a pensar em mim como um estrangeiro ao mundo da ilusão.

E agora, preenche-me com aquilo que falta em mim, a tradição do Renascimento que disseste que me comunicaria, expondo-a pelo discurso ou pela via secreta.

Eu não sei, ó Três-vezes o Maior, de qual matéria ou de qual ventre o Homem vem a nascer, nem de qual sêmen.

Hermes: A Sabedoria que entende em silêncio [tal é a matéria e o ventre dos quais o Homem nasce], e o Verdadeiro Bem é o sêmen.

Tat: E quem semeia, pai? Pois estou totalmente confuso.

Hermes: É a Vontade de Deus, meu filho.

Tat: E o que ou quem é aquele que é gerado, pai? Pois eu não tenho em mim parte dessa essência que transcende os sentidos. Aquele que é gerado será outro saído de Deus, o Filho de Deus?

Hermes: Tudo em tudo, composto por todos os poderes.

Tat: Contas-me um enigma, pai, e não falas como um pai para com seu filho.

Hermes: Desta geração, meu filho, nunca se fala; mas quando Ele quer, a sua memória é restaurada.

Tat: Dizes coisas impossíveis, ó Pai, coisas intrincadas. Responde, então, que acesso eu tenho diretamente a estas coisas? Serei eu um filho estranho à raça de meu pai?

Não te afastes de mim, meu pai. Eu sou um filho legítimo; explica-me como se dá o Renascimento.

Hermes: O que posso dizer, meu filho? Eu só posso te dizer isto. Sempre que eu vi dentro de mim a Visão Simples gerada pela misericórdia de Deus, eu passei através de mim mesmo a um Corpo que jamais poderá morrer. E agora eu não sou como era antes; mas eu nasci na Mente [divina].

O modo de fazer isso não é ensinado, e não pode ser visto pelos elementos compostos através dos quais tu vês.

Sim, eu tive a minha antiga mente composta desmembrada de mim. Eu já não sou tocado, mas eu tenho tato; eu tenho dimensões também; e [ainda assim] eu sou um estranho a tudo isso agora.

Tu me vês com olhos, meu filho; mas o que eu sou tu não entendes [mesmo] com toda a força do corpo e da visão.

Tat: Em feroz frenesi e fúria mental tu me mergulhaste, pai, pois agora eu já não vejo a mim mesmo.

Hermes: Eu creio, meu filho, que chegaste mesmo a passar através de ti mesmo, como aqueles que sonham no sono ainda que despertos.

Tat: Diga-me isto também! Quem é o autor do Renascimento?

Hermes: O Filho de Deus, o Homem Uno, pela Vontade de Deus.

Tat: Agora trouxeste-me, pai, à pura estupefação. Arrancado dos sentidos que eu tinha antes [… lacuna no texto original…] ; pois [agora] eu vejo tua Grandeza idêntica à tua forma singular.

Hermes: Mesmo aqui ainda és inverídico; a forma mortal muda todos os dias. Ela é girada pelo tempo para crescer e se degenerar, como se fosse um ser falso.

Tat: O que então é verdadeiro, Três-vezes o Maior?

Hermes: Aquilo que nunca é conturbado, filho, que não pode ser delimitado; aquilo que não tem cores, nem figura, que não se altera, não tem revestimentos, que dá luz; aquilo que [só] é compreensível em si mesmo, que não sofre mutações; aquilo que nenhum corpo pode conter.

Tat: Em verdade, minha razão se esvai, pai. Quando eu pensava ter sido feito sábio por ti, eu descubro os sentidos desta minha mente bloqueados.

Hermes: Assim é, filho: Aquilo que é atraído para cima como o fogo, ainda assim é atraído para baixo como a terra, aquilo que é líquido como a água, ainda assim sopra como o ar, como podes perceber com os sentidos aquilo que não é sólido ou líquido, que não pode prender ou soltar, que são as únicas coisas sobre as quais o homem pode ter alguma noção? E mesmo assim ainda é necessário um homem que possa perceber o Caminho do Nascimento em Deus.

Tat: Eu serei, então, ó pai, incapaz disso?

Hermes: Não, Deus queira que não, meu filho! Retira-te em ti mesmo, e acontecerá; acontecerá, e passará; aquieta os sentidos do corpo, e tua Divindade nascerá; purifica-te a ti mesmo de teus tormentos animalescos – coisas da matéria.

Tat: Então eu tenho atormentadores em mim, ó pai?

Hermes: Ah, sim, não poucos, meu filho; não, muitos e pavorosos.

Tat: Eu não os conheço, pai.

Hermes: O primeiro tormento é Não-conhecer, filho; o segundo é o Pesar; o terceiro, a Intemperança; o quarto, a Concupiscência; o quinto, a Desonestidade; o sexto, a Avareza; o sétimo, o Erro; o oitavo, a Inveja; o nono, a Perfídia; o décimo é a Ira; o décimo primeiro, a Temeridade; o décimo segundo é a Malícia.

Estes são em doze; mas sob eles há muitos mais, meu filho; e rastejando pelo cárcere do corpo eles forçam o homem que lá é lançado para sofrer em seus sentidos. Mas eles partem (ainda que não de uma vez) daquele de quem Deus se apiedou; e é isto que constitui o processo do Renascimento; e [… lacuna no texto original…] da Razão (Logos).

E agora, meu filho, cala-te e mantém um solene silêncio! Assim a misericórdia que Deus derrama em nós não acabará.

Portanto rejubila-te, ó filho, pois pelas Potências de Deus tu estás sendo purificado pela força da Razão (Logos).

A Gnosis de Deus veio a nós, e quando isto acontece, meu filho, o Não-saber é expulso.

A Gnosis da Alegria veio a nós, e com sua vinda, filho, a Tristeza fugirá para longe daquelas para quem ela dá espaço. O Poder que segue a Alegria eu invoco, teu Autocontrole. Ó Poder dulcíssimo! Que nós o recebamos plenos de alegria, filho! Com sua vinda ele expulsa a Intemperança para longe!

Em quarto, eu invoco a Continência, o Poder contra o Desejo. [… lacuna no texto original…] Este passo, meu filho, é a firme sede da Retidão. Pois sem esforço veja como ela expulsou a Desonestidade para longe. Fomos retificados, filho, pela partida da Desonestidade.

O sexto poder eu invoco – aquele contra a Avareza, a Generosidade para com todos.

E agora que a Avareza se foi, eu invoco a Verdade. E o Erro foge, e a Verdade está conosco.

Veja como [a medida do] Bem está plena, meu filho, sobre a Verdade vindoura. Pois a Inveja nos deixou; e à Verdade se juntou também o Bem, com a Vida e a Luz.

E agora nenhum tormento das Trevas se aventura a se aproximar, mas vencidos [todos] fugiram batendo as asas.

Sabes [agora], meu filho, como se dá o Renascimento. E quando estes Dez que expulsam os Doze vêm, meu filho, o Nascimento no espírito está completo, e através deste nascimento nós nos tornamos Deuses.

Quem então pela misericórdia de Deus recebe este nascimento Nele, abandonando os sentidos corporais, sabe que ele mesmo [é feito de Luz e Vida] e que é feito delas, e [assim] é preenchido de júbilo.

Tat: Inabalável pela graça de Deus, pai, eu já não me permito olhar as coisas com a visão de meus olhos, mas com a energia que a Mente me dá através dos Poderes.

No céu eu estou, na terra, na água, no ar; eu estou em animais, em plantas; eu estou no ventre, depois do ventre; eu estou em todo lugar!

Mas dize-me ainda isto: Como os tormentos das Trevas, que são doze em número, são expulsos por dez Poderes? Como isso se dá, Três-vezes o maior?

Hermes: Esta morada através da qual acabamos de passar [i.e., o corpo humano], meu filho, é constituído do círculo de doze tipos de vida, sendo este composto dos elementos, doze em número, mas de uma natureza, uma ideia omniforme. O homem se ilude vendo desuniões neles, filho, enquanto em sua ação eles são um. Não só jamais podemos separar a Precipitação da Ira; elas não podem sequer ser distintas.

De acordo com a reta razão [logos], então, eles [os Doze] naturalmente se retiram de uma vez por todas, uma vez que são expulsos por não menos que dez poderes, ou seja, pelos Dez.

Pois, filho, os Dez são aqueles que dão à luz as almas. E a Vida e a Luz são unificadas lá onde o Um tem o ser do Espírito. De acordo com a razão [logos] o Um contém os Dez, os Dez o Um.

Tat: Pai, eu vejo o Todo, eu vejo a mim mesmo na Mente [divina].

Hermes: Este é, meu filho, o Renascimento – já não olhar mais as coisas do ponto de vista do corpo (uma coisa extensa em três dimensões no espaço)… […lacuna no texto…], mas sobre essa Doutrina [Logos] a respeito do Renascimento, não se pode falar por aí – sob o risco de caluniarmos o Todo entre multidão, coisa que Deus não quer que façamos.

Tat: Diz-me, ó pai: Este Corpo que é feito dos Poderes, é em algum momento dissolvido?

Hermes: Silêncio, [filho]! Não fales de coisas impossíveis, se não pecarás e o olho de tua Mente será extinto.

O corpo natural que nosso sentido percebe está muito longe deste nascimento essencial.

O primeiro deve ser dissolvido, o último jamais o será; o primeiro deve morrer, o último a morte nunca tocará.

Não sabes que nasceste um Deus, Filho do Um, assim como eu?

Tat: Eu ouvirei, ó pai, a ação de graças com um hino que disseste que ouviste quando estavas na Oitava [dimensão] dos Poderes?

Hermes: Assim como o Pastor previu [que aconteceria], meu filho, quando cheguei à Oitava [dimensão].

Bem, apressa-te em “romper tua tenda” [libertar-te do corpo], pois foste purificado.

O Pastor, Mente do Todo Poderoso, não comunicou a mim mais do que foi escrito, pois ele sabia perfeitamente bem que eu estaria eu mesmo em condições de aprender tudo, e ouvir o que viria a desejar, e ver todas as coisas.

Ele me legou a criação de belas coisas; daí porque os Poderes dentro de mim, assim como estão em todos, irrompem em canto.

Tat: Pai, eu desejo ouvir; eu anseio conhecer essas coisas.

Hermes: Quieto, meu filho; ouça a ação de graças que agora mantém [a alma] sintonizada, o Hino do Renascimento – um hino que eu não esperaria que estivesse pronto tão cedo para ser comunicado, se tu não tivesses chegado ao fim de tudo.

É por isso que ele não é ensinado, mas mantido em silêncio.

Assim, meu filho, fiques em um lugar a céu aberto, com a face voltada ao vento do sul, pela hora que o sol poente mergulha, e faças teu culto; e do mesmo modo quando ele nascer, com a face voltada ao vento do leste.

Agora, filho, silêncio!

[Eis o Canto Secreto]

Que toda natureza do Mundo receba a conclamação do meu hino!

Abre-te Terra! Que todos os relâmpagos do Abismo sejam arrancados de mim. Não tremei, vós Árvores!

Eu estou pronto para cantar hinos à criação do Senhor, tanto ao Todo quanto ao Um.

Vós, Céus, abri-vos, e vós Ventos, aquietai-vos; [e] que a Esfera imortal de Deus receba minha palavra [logos]!

Pois eu cantarei o louvor para Aquele que fundou tudo; que fixou a Terra, e ergueu o Céu, e deu ordem ao Oceano para que oferecesse água doce [à Terra], a ambas as suas partes, às habitadas e às inabitadas, para o sustento e o uso de todo homem; que fez o Fogo para brilhar para os deuses e homens.

Que todos nós portanto louvemos Deus, sublime sobre os Céus, Senhor de toda natureza!

E aquele que é o Olho da Mente; que Ele aceite o louvor destes meu Poderes!

Vós, poderes que estão em mim, cantai um hino ao Um-e-Todo; canta comigo, minha Vontade, Poderes todos que estão em mim!

Ó abençoada Gnosis, por ti iluminado, cantando através de ti à Luz que só a mente pode ver, eu gozo no gozo da Mente.

Cantai comigo louvores, ó vós Poderes!

Canta louvores, meu Autocontrole; canta através de mim, minha Retidão, os louvores da Retidão; canta tu, Generosidade, os louvores do Todo; através de mim canta, Verdade, louvores da Verdade!

Canta, ó Bem, o Bem! Ó Vida e Luz, de nós a vós nossos louvores fluem!

Pai, eu Te dou graças, a Ti, Energia de todos os meus Poderes; eu Te dou graças, ó Deus, poder de todas as minhas Energias!

Tua Razão [Logos] canta Teus louvores através de mim. Toma através de mim o Todo em [Tua] Razão – [minha] oblação racional!

Assim gritam os Poderes em mim. Eles cantam Teu louvor, a Ti, ó Todo; eles fazem Tua Vontade.

De Ti Tua Vontade; a Ti o Todo. Recebe de todos sua oblação racional. O Todo está em nós, ó Vida, preserva-o; ó Luz ilumina-o; ó Deus, inspira-o.

[…] Ó Tu Criador que concedes o Espírito [a todos].

Tu és Deus, Teu Homem assim grita a Ti através do Fogo, através do Ar, através da Terra, através da Água, [e] através do Espírito, através de Tuas criaturas.

É de teu Aeon que recebi a ação de graças; e em tua Vontade, o objeto de minha busca, eu encontrei repouso.

Tat: Por teu beneplácito eu vi esta ação de graças sendo cantada, ó pai; eu também o fiz em meu Cosmos também.

Hermes: Diga no Cosmos que só tua mente pode ver, meu filho.

Tat: Sim, pai, no Cosmos que só a minha mente pode ver; pois eu me tornei capaz pelo Hino, e minha mente foi iluminada pelos Louvores. Mas depois eu mesmo irei enviar louvores a Deus também de minha mente natural.

Hermes: Mas não distraído, meu filho.

Tat: Sim. O que eu vejo na mente, é disso que falo.

A ti, Pai que me deu à Luz, a Ti, eu, Tat, envio oferendas racionais, ó Deus e Pai, tu que és a Mente. Recebe de mim oblações racionais como se tu as quisesse; pois por tua Vontade todas as coisas foram aperfeiçoadas.

Hermes: Envia tua oblação, filho, aceitável a Deus, o Senhor de tudo; mas acrescenta, meu filho, também, “através do Verbo” [Logos].

Tat: Eu te dou, pai, graças por me ensinar a cantar tais hinos.

Hermes: Feliz sou, meu filho, porque trouxeste os bons frutos da Verdade, rebentos que não podem morrer.

E agora que aprendeste esta lição de mim, promete manter silêncio sobre tua virtude, e a nenhuma alma dar a conhecer do que lhe foi comunicado sobre o modo como se dá o Renascimento, para que não pensem que somos caluniadores.

E agora nós dois nos concedemos atenção suficiente, tanto eu falando quanto tu ouvindo.

Na Mente te tornaste um Conhecedor de ti mesmo e de nosso Senhor.