Os Exercícios Espirituais – Um manual de heteroajuda, ou: Autoajuda-te a ajudar Deus a te ajudar a ajudar nossos próximos a ajudarem Cristo a ajudar a Criação

Extratos dos Exercícios espirituais para vencer a si mesmo e ordenar sua vida, sem se determinar por nenhuma afeição por mais desordenada que seja. Inácio de Loyola, Roma, 1548 d.C.

 

I. Anotações preliminares para se entender um pouco os exercícios espirituais, e para ajudar tanto àquele que há de os dar, quanto àquele que há de os receber
1. O que se entende por “exercícios espirituais”

(Preâmbulo, § 1)

Por este nome, exercícios espirituais, entende-se todo modo de examinar a consciência, de meditar, de contemplar, de orar vocal e mentalmente, e de outras operações espirituais, segundo o que se dirá adiante. Porque assim como passear, caminhar e correr são exercícios corporais, da mesma maneira, todo modo de preparar e dispor a alma para expelir de si todos os afetos desordenados e, depois de expelidos, para buscar e achar a vontade divina na disposição de sua vida para a salvação da alma, se chamam exercícios espirituais.

2. Sobre as partes e etapas dos Exercícios

(Preâmbulo, § 4)

Os exercícios tomam quatro semanas, por corresponder às quatro partes em que se dividem os exercícios, a saber: a 1a é a consideração e a contemplação dos pecados; a 2a é a vida de Cristo nosso Senhor até o dia de ramos; a 3a é a paixão de Cristo nosso Senhor; e a 4a é a ressurreição e a ascensão, estabelecendo três modos de orar.

 

3. Pressuposto dos Exercícios

(Ia Semana, § 21)

Para que tanto ao que dá os exercícios espirituais, quanto ao que os recebe, mais se ajudem e se aproveitem: se há de pressupor que todo bom cristão há de ser mais pronto a salvar a proposição do próximo, que a condená-la; e se não a pode salvar, inquira como ele a entende, e, se mal a entende, corrija-o com amor; e se não basta, busque todos os meios convenientes para que, bem a entendendo, se salve.

 

4. Princípio e fundamento dos Exercícios: sobre a indiferença espiritual

(Ia Semana, § 22)

O homem é criado para louvar, fazer reverência e servir a Deus nosso Senhor e, mediante isso, salvar sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, e para o ajudar na realização do fim para o qual foi criado. De onde se segue que o homem tanto deve usá-las, na medida em que o ajudam em seu propósito, quanto deve abandoná-las, na medida em que o impedem. Por esse motivo é de primeira necessidade fazermo-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo aquilo que é concedido à liberdade de nosso livre arbítrio, e não lhe é proibido; de tal modo, que não queiramos de nossa parte mais saúde que doença, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa do que curta, e por conseguinte todo o resto; somente desejando e escolhendo o que mais nos conduz rumo ao fim para o qual fomos criados.

 

5. Modo de fazer o exame geral

 (Ia Semana, § 43)

1o ponto: Dar graças a Deus nosso Senhor pelos benefícios recebidos.

2o ponto: Pedir graça para conhecer os pecados, e expulsá-los.

3o ponto: Pedir conta a alma desde a hora que se levantou até o exame presente, de hora em hora ou de tempos em tempos; e primeiro, dos [meus] pensamentos, depois das [minhas] palavras e depois das [minhas] obras.

4o ponto: Pedir perdão a Deus nosso Senhor pelas faltas.

5o pontoPropor emenda com sua graça. [Rezar o] Pai nosso.

II. Algumas meditações e contemplações ao longo do percurso
1. Meditação sobre os três pecados originais do Mundo

(Ia Semana, §§ 45-54)

1o preâmbulo: Na contemplação ou meditação visível, assim como contemplar a Cristo nosso Senhor, que é visível, a composição [mental] será ver com a vista da imaginação o lugar corpóreo onde está a coisa que quero contemplar. Digo o lugar corpóreo, tal como um templo ou um monte, onde se encontra Jesus Cristo ou nossa Senhora, segundo o que quero contemplar. Nesta visão, como se trata aqui dos pecados, a composição será ver com a vista imaginativa e considerar minha alma como encarcerada neste corpo corruptível e todo o compósito neste vale como desterrado; entre brutos animais, digo todo o compósito de alma e corpo.

2o preâmbulo: Pedir a Deus nosso Senhor o que quero e desejo. O pedido há de ser segundo a matéria submetida, ou seja, se a contemplação é da ressurreição, pedir gozo com Cristo gozoso; se é da paixão, pedir pena, lágrimas e tormento com Cristo atormentado. Aqui será pedir vergonha e confusão de mim mesmo, vendo quantos foram danados por um só pecado mortal e quantas vezes eu mereceria ser condenado para sempre por meus muitos pecados.

(…)

1o ponto: Trazer à memória o primeiro pecado, que foi o dos anjos, e logo sobre o mesmo discorrer com o entendimento, depois [aplicar] a vontade, querendo tudo isso, [depois] relembrar e entender, para mais me envergonhar e me confundir; trazendo em comparação com um pecado dos anjos os muitos pecados íntimos meus, e [considerar que] se eles por um pecado foram ao inferno, quantas vezes eu o mereci por tantos. Digo trazer à memória o pecado dos anjos; como sendo eles criados em graça, não querendo se ajudar com sua liberdade para prestar referência e obediência a seu Criador e Senhor, crescendo em soberba, passaram da graça à malícia, e foram lançados do céu ao inferno (…).

2o ponto: Trazer as três potências [da alma, a memória, o entendimento e a vontade,] sobre o pecado de Adão e Eva; trazendo à memória como pelo tal pecado fizeram por muito tempo penitência, e quanta corrupção veio ao gênero humano, andando tanta gente ao inferno (…).

3o ponto: Do mesmo modo fazer outro tanto sobre o terceiro pecado, [o pecado] particular de cada um que que por um pecado mortal foi ao inferno, e outros tantos sem conta, por menos pecados do que eu cometi. Digo fazer outro tanto sobre o terceiro pecado particular de cada um, trazendo à memória a gravidade e malícia do pecado contra seu Criador e Senhor, discorrer com o entendimento como no pecar e no agir contra a bondade divina, justamente [ele] foi condenado para sempre, e acabar com [o exercício da] vontade, como foi dito.

Imaginando a Cristo nosso Senhor à frente e posto na cruz, concluir com um colóquio; como de Criador veio a fazer-se homem, e da vida eterna [veio] à morte temporal, para assim morrer por meus pecados. Outro tanto, olhando a mim mesmo, o que fiz por Cristo, o que faço por Cristo, o que devo fazer por Cristo; e assim vendo-o desse jeito, e assim pregado na cruz, discorrer sobre o que se lhe oferece.

O colóquio se faz propriamente falando, assim como um amigo fala a outro, ou um servo a seu Senhor; quando pedindo alguma graça, quando culpando-se por algum mal feito, quando comunicando suas coisas, e querendo conselho sobre elas; e [no fim] rezar um Pai nosso.

 

2. Meditação sobre os meus pecados

 (Ia Semana, §§ 55-61)

1o ponto: O processo dos pecados, ou seja, trazer à memória todos os pecados da vida, olhando de ano em ano ou de tempos em tempos; para o que são úteis três coisas: a primeira, olhar o lugar e a casa onde habitei; a segunda, a conversação que tive com outros; a terceira, o ofício no qual vivi.

2o ponto: Ponderar os pecados, olhando a fealdade e a malícia que cada pecado mortal cometido tem em si.

3o ponto: Olhar quem sou eu, diminuindo-me através de exemplos: primeiro, quanto sou eu em comparação com todos os homens; segundo, que coisa são os homens em comparação com todos os anjos e santos do paraíso; terceiro, olhar que coisa é todo o criado em comparação com Deus: então eu sozinho, que posso ser?; quarto, olhar toda a minha corrupção e fealdade corpórea; quinto, olhar-me como uma chaga e um abcesso, de onde saíram tantos pecados e tantas maldades e peçonha tão torpíssima.

4 o ponto: Considerar quem é Deus, contra quem pequei, segundo seus atributos, comparando-os a seus contrários em mim: sua sapiência com minha ignorância, sua onipotência com minha fraqueza, sua justiça com minha iniquidade, sua bondade com minha malícia.

5 o ponto: Exclamação admirativa com afeto crescente, discorrendo sobre todas as criaturas, como me deixaram em vida e me conservaram nela; os anjos, como são a faca da justiça divina, como eles vêm me suportando e guardando e rogando por mim; os santos, como vêm intercedendo e rogando por mim; e os céus, sol, lua, estrelas, e elementos, frutos, aves, peixes, e animais; e a terra, como não se abriu para me absorver, criando novos infernos para sempre penar neles.

Acabar com um colóquio de misericórdia, raciocinando e dando graças a Deus nosso Senhor porque me deu vida até agora, propondo emenda com sua graça de agora em diante. Pai nosso.

 

3. Meditação sobre o Inferno

(Ia Semana, §§ 65-71) 

1o preâmbulo: Ver com a vista da imaginação a lonjura, largura e profundidade do inferno.

2o preâmbulo: Pedir o que quero: será aqui pedir sentimento interno da pena que padecem os danados, para que se do amor do Senhor eterno eu vier a me esquecer por minhas faltas, ao menos o temor das penas me ajude a não cair em pecado.

1o ponto: Será ver com a vista da imaginação os grandes fogos, e as almas como em corpos ígneos.

2o ponto: Ouvir com os ouvidos prantos, alaridos, vozes, blasfêmias contra Cristo nosso Senhor e contra todos os seus santos.

3 o ponto: Cheirar com o olfato fumo, pedra enxofre, fossa e coisas pútridas.

4 o ponto: Degustar com o paladar coisas amargas, assim como as lágrimas, tristeza e o verme da consciência.

5 o ponto: Tocar com o tato, isto é, como os fogos tocam e abrasam as almas.

Fazendo um colóquio com Cristo nosso Senhor, trazer à memória as almas que estão no inferno, umas, porque não creram no advento, outras, [porque] crendo, não agiram segundo seus mandamentos.

 

4. Contemplação da Encarnação

(IIa Semana, §§ 101-9) 

1o preâmbulo: Trazer a história da coisa que tenho a contemplar; que é aqui como as três pessoas divinas olhavam toda a planície ou esfera de todo o mundo cheia de homens, e como vendo que todos desciam ao inferno, determinam na sua eternidade que a segunda pessoa se faça homem, para salvar o gênero humano, e assim chegada a plenitude dos tempos, envia o anjo são Gabriel à nossa Senhora.

2o preâmbulo: Aqui será ver a grande potência e globalidade do mundo, na qual estão tantas e tão diversas gentes; do mesmo modo, depois, particularmente a casa e os aposentos de nossa Senhora, na cidade de Nazaré, na província da Galileia.

3o preâmbulo: Pedir o que quero: será aqui pedir conhecimento interno do Senhor, que por mim se fez homem, para que mais o ame e o siga.

1o ponto: Ver as pessoas, umas e outras; em primeiro lugar as da face da terra, em tanta diversidade, tanto nos trajes quanto nos gestos: uns brancos e outros negros, uns em paz e outros em guerra, uns chorando e outros rindo, uns saldáveis e outros enfermos, uns nascendo e outros morrendo, etcétera.

2 o ponto: Ouvir o que falam as pessoas sobre a face da terra, ou seja, como falam uns com os outros, como juram e blasfemam etc.; [ouvir] também o que dizem as pessoas divinas, ou seja: “Realizemos a redenção do gênero humano”, etc.; e depois o que fala o anjo à nossa Senhora; e refletir depois, para tirar proveito de suas palavras.

3 o ponto: Olhar o que fazem as pessoas sobre a face da terra, como por exemplo ferir, matar, ir ao inferno etc.; do mesmo modo, [olhar] o que fazem as pessoas divinas, ou seja, realizando a santíssima encarnação etc.; e também o que fazem o anjo e nossa Senhora, ou seja, o anjo realizando seu trabalho de anunciador e nossa Senhora humilhando-se e dando graças à divina majestade, e depois refletir para tirar algum proveito de cada uma dessas coisas.

Por fim, deve-se fazer um colóquio, pensando no que devo falar às três pessoas divinas ou ao Verbo encarnado ou à nossa Mãe e Senhora, pedindo conforme o que sentir em si, para seguir e imitar ainda mais o nosso Senhor, assim novamente encarnado, dizendo um Pai nosso.

 

5. Contemplação do Nascimento

(IIa Semana, §§ 110-7)

1o preâmbulo: A história: e será aqui como desde de Nazaré saíram nossa Senhora grávida quase de nove meses, como se pode meditar plenamente sentada numa asna, e José e uma serva, levando um boi, para ira a Belém, pagar o tributo que César determinou a todas aquelas terras.

2o preâmbulo: Será aqui com a vista imaginativa ver o caminho desde Nazaré a Belém, considerando a lonjura, a largura, e se por planícies ou se por vales ou costas vai tal caminho; do mesmo modo observando o lugar ou espelunca do nascimento, quão grande, quão pequeno, quão baixo, quão alto, e como estava aparelhado.

3o preâmbulo: como na contemplação da Encarnação [pedir o que quero, ou seja, conhecimento interno do Senhor, que por mim se fez homem, para que mais o ame e o siga.]

1o ponto: Ver as pessoas, a saber, ver nossa Senhora e José e a serva e o menino Jesus depois de ter nascido, fazendo-me eu um pobrezinho e escravozinho indigno, observando-os, contemplando-os e servindo-os em suas necessidades, como se estivesse presente, com toda presteza e reverência possível; e depois refletir em mim mesmo para tirar algum proveito.

2 o ponto: Olhar, prestar atenção e contemplar o que falam; e refletindo-o em mim mesmo, tirar algum proveito.

3 o ponto: Olhar e considerar o que fazem, assim como o seu caminhar e trabalhar, para que o Senhor nasça em suma pobreza, e ao cabo de tantos trabalhos, de fome, de sede, de calor e de frio, de injúrias e afrontas, para morrer na cruz; e tudo isto por mim; depois, refletindo, tirar algum proveito espiritual.

Encerrar com um colóquio e com um Pai nosso.

 

6. Contemplação para alcançar o Amor

(IVa Semana, §§ 230-7)

Primeiro convém advertir duas coisas:

1a: O amor deve ser posto mais nas obras do que nas palavras.

2a: O amor consiste na comunicação das duas partes, a saber, em dar e comunicar o amante ao amado daquilo que tem e daquilo que pode, e igualmente, ao revés, o amado ao amante; de maneira que se um tem o conhecimento, ele dá ao que não o tem, ou honras, ou riquezas, e assim o outro ao outro.

1o preâmbulo: Ver como estou diante de Deus nosso Senhor, dos anjos, dos santos interpelantes por mim.

2o preâmbulo: Pedir conhecimento interno da quantidade de bens recebidos, para que os reconhecendo inteiramente, eu possa amar e servir à sua divina majestade.

1o ponto: Trazer à memória os benefícios recebidos pela criação, pela redenção e também os dons particulares, ponderando com muito afeto tudo o que fez Deus nosso Senhor por mim e quanto Ele me deu do que tem e finalmente o quanto deseja me dar o mesmo Senhor, na medida das possibilidades, segundo sua providência divina. E assim refletir, em mim mesmo, considerando com muita razão e justiça o que devo de minha parte oferecer e dar à sua divina majestade, ou seja, todas as minhas coisas e a mim mesmo com elas, assim como quem oferece com muita emoção: Tomai, Senhor, e recebei toda a minha liberdade, minha memória, meu entendimento e toda a minha vontade, todas as minhas posses e propriedades; Vós me destes, a Vós, Senhor, eu devolvo; tudo é vosso, dispondes segundo a vossa vontade; dai-me vosso amor e graça, pois ela me basta.

2 o ponto: Contemplar como Deus habita nas criaturas, dando ser aos elementos, vegetando nas plantas, sentindo nos animais, dando inteligência aos homens; e assim em mim, dando-me meu ser, animando, sentindo e fazendo-me entender; e do mesmo modo fazendo um templo de mim, criando-me à imagem e semelhança de sua divina majestade (…).

3 o ponto: Considerar como Deus trabalha e labuta por mim em todas as coisas criadas sobre a face da terra, isto é, habet se ad modum laborantis – Ele conduz a Si mesmo como alguém que trabalha. E assim é nos céus, nos elementos, plantas, frutos, gado etc., dando a existência, conservando, vegetando e sentindo etc. Depois, refletir em mim mesmo.

4 o ponto: Contemplar como todos os bens e dons descem de cima, assim como a minha limitada potência [vem] da [potência] suma e infinita de cima, assim também a justiça, a bondade, a piedade, a misericórdia etc., tal como do sol descem os raios, da fonte as águas etc. Depois, terminar refletindo em mim mesmo, como já se disse. Encerrar com um colóquio e um Pai nosso.

 

III. A Arte de Escolher – Seis passos e quatro regras para se tomar sãs e boas decisões
1. Os passos

(IIa Semana, §§ 178-83)

1o ponto: Propor diante de si a coisa sobre a qual quero escolher, como por exemplo um ofício ou benefício para tomar ou deixar (…).

2 o ponto: É essencial ter por objeto o fim para o qual sou criado, que é para louvar a Deus nosso Senhor e salvar minha alma; e com isto pôr-me indiferente sem afeição desordenada alguma, de modo que não esteja mais inclinado nem mais afeiçoado a tomar a coisa proposta do que a deixá-la, nem mais a deixá-la do que a tomá-la; mas que me encontre no meio de uma balança para seguir aquilo que eu sentir ser mais [próprio] à glória e ao louvor a Deus nosso Senhor e à salvação de minha alma.

3 o ponto: Pedir a Deus nosso Senhor que queira mover minha vontade e pôr em minha alma o que devo fazer a respeito da coisa proposta, o que é mais [próprio] ao seu louvor e glória, discorrendo bem e fielmente com meu entendimento e escolhendo conforme a sua santíssima e benevolente vontade.

4 o ponto: Considerar raciocinando quantas comodidades ou proveitos virão a mim com o ter o ofício ou benefício proposto, tendo em vista somente o louvor a Deus nosso Senhor e a saúde de minha alma; e, ao contrário, considerar do mesmo modo os incômodos e riscos em tê-lo. Outro tanto se faça na segunda parte, a saber, olhar as comodidades e proveitos em não ter; e do mesmo modo ao contrário, os incômodos e riscos no mesmo não ter.

5 o ponto: Depois de ter discorrido e raciocinado por todos os lados sobre a coisa proposta, olhar para onde a razão mais se inclina, e assim segundo a maior moção racional, e não qualquer moção sensual, se deve fazer a deliberação sobre a coisa proposta.

6 o ponto: Feita tal eleição ou deliberação, a pessoa que a fez deve ir, com muita diligência, à oração diante de Deus nosso Senhor e oferecer a ele tal decisão para que sua divina majestade a queira receber e confirmar, sendo seu maior serviço o louvor.

 

2. As regras

(IIa Semana, §§ 183-8)

1a regra: Que o amor que me move e me faz eleger tal coisa, desça de cima, do amor de Deus, de forma que aquele que escolhe sinta primeiro em si que aquele amor maior ou menor que tem à coisa que elege só existe por seu Criador e Senhor.

2 a regra: Olhar um homem que nunca vi nem conheci, e desejando eu toda a sua perfeição, considerar o que eu lhe aconselharia a fazer e escolher para maior glória de Deus nosso Senhor e maior perfeição de sua alma, e fazendo eu do mesmo modo, guardar a regra que ponho para o outro.

3 a regra: Considerar com se estivesse no limiar da morte, a forma e a medida que então gostaria de ter tido em relação à presente escolha, e regulando-me por tal forma e medida, fazer em tudo a minha determinação.

4 a regra: Olhando e considerando como me encontrarei no dia do juízo, pensar como então gostaria de ter deliberado a respeito da coisa presente; e a regra que então eu gostaria de ter tido, tomá-la agora, para que então eu me veja com prazer e gozo completos.

IV. Três modos de orar
1o. Sobre os Dez Mandamentos, os pecados, as três potências da alma, e os cinco sentidos corporais.

(IVa Semana, §§ 238-48)

Antes de entrar na oração repouse um pouco o espírito sentando ou passeando, como melhor lhe parecer, considerando aonde vai e para que: e este mesmo procedimento se fará no princípio de todos os modos de orar.

(…)

i. Para o primeiro modo de orar convém considerar e pensar no primeiro Mandamento, como o tenho guardado, e no que lhe faltei, tendo por regra o espaço de quem diz três Pai-nossos e três Ave-Marias, e se neste tempo encontrar faltas minhas, pedir vênia e perdão por elas, e dizer um Pai-nosso; e desse mesmo modo se faça em cada um dos dez mandamentos.

(…)

ii. Para melhor conhecer as faltas realizadas nos Sete Pecados Mortais, contemple seus contrários, e assim, para melhor evitá-los, proponha e procure a pessoa com os santos exercícios adquirir e manter as Sete Virtudes a eles contrárias.

iii. Nas três potências da alma [a memória, o entendimento e a vontade] guarde a mesma ordem e regra que nos Mandamentos.

iv. Acerca dos Cinco Sentidos se manterá sempre a mesma ordem, mudando a matéria de cada um deles.

 

2o. Contemplando a significação de cada palavra da oração

(IVa Semana, §§ 249-257)

O segundo modo de orar é que a pessoa, ajoelhada ou sentada, segundo a maior disposição na qual se encontra e a quantidade de devoção que a acompanha, tendo os olhos fechados ou fixados em algum lugar sem ficar mexendo com eles, diga “Pai”, e fique ponderando esta palavra por um tempo, nas significações que encontrar, nas comparações, nos gostos e na consolação, em considerações pertinentes a tais palavras, e faça da mesma maneira em cada palavra do Pai-nosso ou de outra oração.

 

3o. Por compasso

(IVa Semana, §§ 258-60)

O terceiro modo de orar é que com cada inspiração ou respiração deve-se orar mentalmente dizendo uma palavra do Pai-nosso ou de outra oração que seja, de maneira que uma só palavra se diga entre uma respiração e outra, e enquanto durar o tempo de uma inspiração, concentre-se principalmente na significação de tal palavra, ou na pessoa a quem reza, ou na baixeza de si mesmo, ou na diferença de tanta alteza a tanta baixeza; e do mesmo modo e procedimento fará com as outras palavras do Pai-nosso; e as outras orações, a saber: Ave Maria, Anima Christi, Credo e Salve Regina.