Preto no branco na República – Três proclamações sobre a Guerra Civil e a escravidão

I. Discurso de inauguração do segundo mandato presidencial, a pouco mais de três meses da rendição do último general confederado, e a um mês do assassinato de Lincoln pelo antiabolicionista John Wilkes Booth. 1865 d.C.

Concidadãos:

Nesta segunda aparição para prestar juramento do ofício Presidencial há menos ocasião para um discurso extenso do que havia na primeira. Na época uma exposição relativamente detalhada sobre o curso a ser seguido parecia justa e apropriada. Agora, na expiração de quatro anos, durante os quais declarações públicas foram constantemente invocadas em cada ponto e fase da grande disputa que ainda absorve a atenção e consome as energias da nação, pouca coisa nova poderia ser apresentada. O progresso de nossas forças, do qual tudo mais depende, é tão bem conhecido pelo público quanto por mim mesmo, e é, creio eu, razoavelmente satisfatório e encorajador para todos. Com grande esperança para o futuro, não se pode arriscar nenhuma predição em relação a isso.

Na ocasião que correspondia a esta quatro anos atrás todos os pensamentos estavam ansiosamente dirigidos a uma iminente guerra civil. Todos a temiam, todos tentaram evitá-la. Enquanto o discurso inaugural estava sendo pronunciado deste lugar, totalmente devotado a salvar a União sem guerra, agentes insurgentes na cidade buscavam destruí-la sem guerra – buscavam dissolver a União e dividi-la por meio de negociações. Ambas as partes deprecavam a guerra, mas uma delas faria a guerra antes de deixar a nação sobreviver, e a outra aceitaria a guerra antes de deixá-la perecer, e a guerra veio.

Um oitavo de toda a população era de escravos de cor, não distribuídos genericamente pela União, mas localizados na sua parte sul. Estes escravos constituem um interesse peculiar e poderoso. Todos sabiam que este interesse era de algum modo a causa da guerra. Fortalecer, perpetuar, e estender este interesse era o objeto pelo qual os insurgentes rasgariam a União mesmo através da guerra, enquanto o Governo não reivindicava qualquer direito de fazer mais do que restringir o seu alargamento territorial. Nenhuma das partes esperava para a guerra a magnitude da duração que já atingiu. Nenhuma antecipou que a causa do conflito poderia vir a cessar concomitantemente ou mesmo antes que o próprio conflito viesse a cessar. Cada uma buscou um triunfo fácil, e um resultado menos fundamental e espantoso. Ambas leem a mesma Bíblia e rezam ao mesmo Deus, e ambas invocam a Sua ajuda contra a outra. Pode parecer estranho que qualquer homem devesse ousar solicitar uma assistência justa de Deus espremendo seu pão do suor do rosto dos outros, mas não julguemos, para que não sejamos julgados. As orações de ambos não podiam ser atendidas. As de ambos não foram plenamente atendidas. O Todo Poderoso tem Seus próprios propósitos. “Ai do mundo por causa de suas ofensas; pois é preciso que as ofensas venham, mas ai daquele homem por quem as ofensas vêm.” Se pudermos supor que a escravidão americana é uma destas ofensas que, na providência de Deus, precisavam vir, mas que, tendo continuado pelo tempo prescrito por Ele, Ele agora decidiu remover, e que Ele dá tanto ao Norte quanto ao Sul esta terrível guerra como o ‘ai’ devido àqueles por quem a ofensa veio, haveremos nós de discernir aí qualquer afastamento daqueles divinos atributos que aqueles que acreditam num Deus vivo sempre atribuíram a Ele? Afetuosamente nós esperamos, fervorosamente nós rezamos, para que este poderoso açoite da guerra rapidamente se vá. Ainda assim, se Deus quiser que ele continue até que toda riqueza pilhada pelos duzentos e cinquenta anos de labuta não recompensada do escravo seja afundada, e até que cada gota de sangue arrancada pelo açoite seja paga por outra arrancada pela espada, então, como foi dito três mil anos atrás, ainda se deve dizer “os juízos do Senhor são totalmente verdadeiros e justos.”

Com malícia para com ninguém, com caridade para com todos, com firmeza no direito tal como Deus nos dá a ver que é direito, lutemos para completar o trabalho no qual estamos empregados, para fechar as feridas da nação, para cuidar daquele que tiver sido levado pela batalha e de sua viúva e de seu órfão, para fazer tudo o que venha a conquistar e celebrar uma paz justa e duradoura entre nós mesmos com todas as nações.

 

II. Discurso de dedicação do Cemitério Nacional dos Soldados no campo da batalha mais sangrenta da Guerra Civil em Gettysburg, Pennsylvania. 1863 d.C.

Quatro pares de décadas e sete anos atrás nossos pais deram origem neste continente a uma nova nação, concebida na liberdade, e dedicada à proposição de que todos os homens são criados iguais.

Agora estamos engajados numa grande guerra civil, testando se aquela nação assim concebida e assim dedicada, pode perdurar muito tempo. Estamos num grande campo de batalha desta guerra. Viemos para dedicar uma porção deste campo, como um lugar de repouso final para aqueles que deram suas vidas para que a nação possa viver. É de todo adequado e apropriado que façamos isso.

Mas, num sentido mais amplo, nós não podemos dedicar, nós não podemos consagrar, nós não podemos louvar este solo. Os valentes homens, mortos e vivos, que lutaram aqui, o consagraram, muito além do nosso pobre poder de acrescentar ou detratar. O mundo mal notará, nem se lembrará por muito tempo do que dizemos aqui, mas ele jamais esquecerá o que eles fizeram aqui. Cabe antes a nós, os vivos, nos dedicarmos aqui ao trabalho incompleto que aqueles que lutaram aqui de tal forma avançaram tão nobremente. Cabe antes a nós nos dedicarmos à grande missão que permanece à nossa frente – que desses honrados mortos tomemos crescente devoção àquela causa à qual eles deram a derradeira e plena medida da devoção – que nós aqui decidamos resolutamente que estes mortos não morreram em vão – que esta nação, sob Deus, tenha um novo nascimento da liberdade – e que o governo do povo, pelo povo e para o povo, não pereça da terra.

 

III. Proclamação da Emancipação. 1863 d.C.

1. Proclamação Preliminar da Emancipação emitida em 22 de setembro  de 1862, um ano e meio após o início da Guerra Civil.

UMA PROCLAMAÇÃO.

EU, ABRAHAM LINCOLN, Presidente dos Estados Unidos da América, e Comandante Supremo do seu Exército e da sua Marinha, proclamo aqui e declaro que doravante, como até o presente, a guerra será conduzida com o objetivo de restaurar praticamente a relação constitucional entre os Estados Unidos, e cada um dos Estados, e do seu povo, contra os Estados em que esta relação tenha sido, ou venha a ser, suspendida ou perturbada.

Que é meu propósito, na próxima sessão do Congresso mais uma vez recomendar a adoção de uma medida prática oferecendo auxílio pecuniário à livre aceitação ou rejeição de todos os Estados escravos, assim chamados, cujo povo não esteja então em rebelião contra os Estados Unidos e cujos Estados tenham então voluntariamente adotado, ou desde então voluntariamente adotem, a imediata ou gradual abolição da escravidão dentro de seus respectivos limites; e que o esforço para colonizar pessoas de descendência africana, com seu consentimento, neste continente, ou em outra parte, com o consenso obtido previamente dos governos existentes lá, será continuado.

Que no primeiro dia de Janeiro no ano de nosso Senhor, mil oitocentos e sessenta e três, todas as pessoas tidas por Escravas dentro de cada Estado, ou parte designada de um Estado, cujo povo estiver em rebelião contra os Estados Unidos serão então, doravante, e para sempre livres; e o governo executivo dos Estados Unidos, incluindo sua autoridade militar e naval, reconhecerá e manterá a liberdade de tais pessoas, e não fará nenhum ato ou atos para reprimir tais pessoas, ou qualquer deles, em quaisquer esforços que façam pela sua atual liberdade.

Que o executivo irá, no primeiro dia do Janeiro sobredito, por proclamação, designar os Estados, e as parte dos Estados, se houver, e o seu respectivo povo, que estiverem em rebelião contra os Estados Unidos; e o fato de que qualquer Estado, ou o seu povo, esteja, neste dia, em boa fé representado no Congresso dos Estados Unidos, por membros escolhidos lá, em eleições onde a maioria dos votantes qualificados de tal Estado tiverem participado, será, na ausência de forte testemunho contravalidante, estimado evidência conclusiva de que tal Estado e seu povo, não estão em rebelião contra os Estados Unidos.

A atenção é no presente documento chamada a um Ato do Congresso intitulado “Um Ato para fazer um adicional Artigo de Guerra” aprovado em Março, [dia] 13, 1862, o qual ato está nas palavras e configuração seguinte:

Seja decretado pelo Senado e Casa dos Representantes dos Estados Unidos da América no Congresso reunido, Que doravante o seguinte será promulgado como um artigo adicional de guerra do governo do exército dos Estados Unidos, e será obedecido e observado como tal:

Artigo –. Todos os oficiais ou pessoas no serviço militar ou naval dos Estados Unidos estão proibidas de empregar quaisquer forças sob seus respectivos comandos para o propósito de devolver fugitivos do serviço ou trabalho, que tenham escapado de quaisquer pessoas a quem tal serviço ou trabalho seja reivindicado como devido, e qualquer oficial que for considerado culpado por uma corte marcial de violação deste artigo será dispensado do serviço.

Seç. 2. E seja ainda decretado, Que este ato terá efeito desde que e após transitado.”

Também a nona e a décima seções de um ato intitulado “Um Ato para suprimir a Insurreição, para punir a Traição e a Rebelião, para apropriar e confiscar propriedade de rebeldes, e para outros propósitos,” aprovado em Julho, [dia] 17, 1862, cujas seções são:

“Seç. 9. E seja ainda decretado, Que todos os escravos de pessoas que doravante se engajem na rebelião contra o governo dos Estados Unidos, ou que de qualquer modo deem auxílio ou conforto a esta, escapando de tais pessoas e tomando refúgio dentro das linhas do exército; e todos os escravos capturados de tais pessoas ou desertados delas e vindo sob o controle do governo dos Estados Unidos; e todos os escravos de pessoas que se encontrem ou estejam em qualquer lugar ocupado por forças rebeldes e posteriormente ocupado pelas forças dos Estados Unidos, serão considerados prisioneiros de guerra, e serão dali para frente livres da servidão, e nunca mais tomados por escravos.

“Seç. 10. E seja ainda decretado, Que nenhum escravo que escape para qualquer Estado, Território, ou Distrito de Colúmbia, de qualquer outro Estado, será devolvido, ou de algum modo impedido ou prejudicado em sua liberdade, exceto pelo crime, ou alguma ofensa contra as leis, a menos que a pessoa que reivindicar tal fugitivo faça primeiro um juramento de que o sujeito por quem o trabalho ou serviço de tal fugitivo é reivindicado como devido é seu legítimo proprietário, e não tenha tomado armas contra os Estados Unidos na presente rebelião, nem tenha de qualquer modo a auxiliado e confortado; e nenhuma pessoa engajada no serviço militar ou naval dos Estados Unidos deve, sob qualquer que seja a pretensão, [se] presumir [em condições de] decidir sobre a validade da reivindicação de qualquer pessoa ao serviço ou trabalho de qualquer outra pessoa, ou render tal pessoa ao reivindicante, sob pena de ser dispensado do serviço.”

E eu pelo presente intimo e ordeno a todas as pessoas engajadas no serviço militar e naval dos Estados Unidos a observarem, obedecerem, e imporem, dentro de suas respectivas esferas de serviço, o ato, e as seções acima supracitadas.

E o executivo irá no devido tempo recomendar que todos os cidadãos dos Estados Unidos que tiverem se mantido leais a eles ao longo da rebelião, sejam (ante a restauração da relação constitucional entre os Estados Unidos, e seus respectivos Estados, e povo, se esta relação tiver sido suspensa ou perturbada) compensados por todas as perdas por atos dos Estados Unidos, incluindo a perda de escravos.

EM TESTEMUNHO, Eu pus aqui minha mão, e fiz com que o selo dos Estados Unidos fosse afixado.

Feito na Cidade de Washington, este dia vinte e dois de Setembro, no ano de nosso Senhor, mil oitocentos e sessenta e dois, e da Independência dos Estados Unidos o octogésimo sétimo.

[ABRAHAM LINCOLN]

 

2. Proclamação da Emancipação final, emitida em 1o de janeiro de 1863, alterando o status legal federal de mais de 3 milhões de negros dos estados do Sul de “escravos” para “livres.”

UMA PROCLAMAÇÃO.

CONSIDERANDO QUE, no dia vinte e dois de Setembro, no ano de nosso Senhor mil oitocentos e sessenta e dois, uma proclamação foi emitida pelo Presidente dos Estados Unidos (…)

EU, ABRAHAM LINCOLN, Presidente dos Estados Unidos, em virtude do poder a mim investido como Comandante Supremo do Exército e da Marinha dos Estados Unidos em tempo de atual rebelião contra a autoridade e o governo dos Estados Unidos, e como uma medida de guerra adequada e necessária para suprimir a dita rebelião, venho, neste primeiro dia de Janeiro, no ano de nosso Senhor mil oitocentos e sessenta e três, e de acordo com meu propósito de fazê-lo publicamente proclamado pelo período pleno de cem dias, desde o dia mencionado acima, apontar e designar como Estados e partes dos Estados cujo respectivo povo estão neste dia em rebelião contra os Estados Unidos, os seguintes, a saber:

Arkansas, Texas, Louisiana (exceto as paróquias de St. Bernard, Plaquemines, Jefferson, St. John, St. Charles, St. James, Ascension, Assumption, Terrebone, Lafourche, St. Mary, St. Martin, e Orleans, incluindo a cidade de New Orleans), Mississippi, Alabama, Florida, Georgia, Carolina do Sul, Carolina do Norte, e Virginia (exceto para os quarenta e oito condados designados como Virginia do Oeste, e também os condados de Berkeley, Accomac, Northhampton, Elizabeth City, York, Princess Anne, e Norfolk, incluindo as cidades de Norfolk e Portsmouth), e cujas partes excetuadas, são para o presente, deixadas precisamente como se esta proclamação não tivesse sido emitida.

E por virtude do poder, e do propósito sobredito, eu ordeno e declaro que todas as pessoas tidas por escravas dentro dos ditos designados Estados, e partes de Estados, são, e doravante serão livres; e que o governo Executivo dos Estados Unidos, incluindo as suas autoridades navais e militares, reconhecerão e manterão a liberdade das ditas pessoas.

E eu pelo presente intimo às pessoas assim declaradas livres a se absterem de toda violência, a menos que em necessária autodefesa; e eu recomendo a elas que, em todos os casos permitidos, trabalhem fidedignamente por remunerações razoáveis.

E ademais eu declaro e faço saber, que tais pessoas em condições adequadas, serão recebidas nas forças armadas dos Estados Unidos para guarnecer fortes, posições, estações, e outros lugares, e para tripular embarcações de todos os tipos no dito serviço.

E sobre este ato, sinceramente entendido como um ato de justiça, garantido pela Constituição, sob necessidade militar, eu invoco o juízo ponderado da humanidade, e o gracioso favor do Todo Poderoso Deus.

EM TESTEMUNHO, Eu pus aqui minha mão e fiz com que o selo dos Estados Unidos fosse afixado.

Feito na Cidade de Washington, este dia primeiro dia de Janeiro, no ano de nosso Senhor, mil, oitocentos e sessenta e três, e da Independência dos Estados Unidos o octogésimo sétimo.

[ABRAHAM LINCOLN]