Músicos profissionais e amadores em Viena

Reportagem publicada na revista Allgemeine musikalische Zeitung (“Jornal Musical Geral”). Berlim, 1800 d.C.

 

Há poucas cidades nas quais o amadorismo musical é tão difundido quanto aqui. Todo mundo toca, todo mundo faz aula de música. Não é preciso dizer que, dada essa multidão, temos alguns excelentes diletantes; contudo, já não são tão comuns quanto outrora. A música é considerada como uma coisa fácil demais, algo que se pratica incidentalmente, e a habilidade das pessoas é geralmente superestimada, embora no fim, evidentemente, o termo dilettante seja oferecido como uma desculpa e a coisa toda é levada num espírito de galanteio e bon ton. Ainda assim, a verdade é que os genuínos apreciadores e amigos da música – bem entendido, da música enquanto arte – são mais numerosos do que os estrangeiros costumam supor. A razão pela qual são tão pouco comentados em outros lugares talvez decorra do fato de que eles mesmos façam pouco barulho, preferindo celebrar e gozar com seus ídolos discretamente. Os chamados “concertos privados” (a música na casa dos mais abastados) são legião aqui durante de todo o inverno. Não há um só feriado ou aniversário que passe sem uma performance musical. A bem da verdade, há muito pouco a se dizer sobre estas performances; a rigor nada, se quisermos falar a sério. São todas iguais. Vejam como se parecem! Primeiro, um quarteto ou uma sinfonia (considerados, no fim das contas, um mal necessário – mas, enfim, é preciso começar por qualquer coisa!), e logo são dissolvidos na conversação. Então vêm as senhoritas, uma depois da outra. Cada uma abre a sua sonata para piano – se possível, com alguma graça e charme – e começam a dedilhar, acertar e errar. Então vêm outras, e cantam árias das últimas óperas exatamente do mesmo modo. A coisa toda dá algum prazer – e por que não deveria? E quem pode recriminá-los, desde que se veja tudo como um simples entretenimento familiar? Somente que não devemos ver isto como uma contribuição à arte, e nem as belas participantes, apesar dos elogios de seus convivas, como artistas. Ao contrário, é o amadorismo universal e fácil – assim como as miríades de pequenos concertos com suas músicas pré-fabricadas – que arruinou o gosto e embotou a sensibilidade pelas coisas melhores.

Deve-se acrescentar que o destino dos virtuosos itinerantes está nas mãos destes amadores, que frequentemente mascaram sua falta de conhecimentos com ardentes demonstrações de sectarismo. Se o forasteiro deixa de comparecer às recepções, de bajular, de reconhecer e louvar o talento de tudo quanto é gente etc., então ele deve possuir a maior das reputações se quiser sobreviver a despeito de tais omissões. Se ele em algum momento flertar com a ideia de se estabelecer em Viena, logo perceberá que a corporação dos músicos é sua inimiga. O padrão pelo qual os virtuosos são julgados é alto (e com razão, já que conhecemos tantos dentre os maiores); ainda assim, a desmoralização daqueles que falham é desencorajadora, tanto mais porque sequer um dos nossos músicos locais pode escapar completamente ileso à condenação – ao menos entre os violinistas; somente, talvez, Beethoven e Joseph Wölfl, e eles são pianistas.

Diante disso, segue-se que as perspectivas para os artistas estrangeiros não é boa; e já explicamos o porquê. Quanto aos artistas daqui, todas as famílias abastadas e os bem nascidos que outrora mantinham as suas próprias orquestras as dispensaram. Um músico na orquestra do teatro pode esperar não mais que uns 200 a 300 gulden. Sem emprego firme, somente os pianistas podem talvez ganhar um estipêndio decente – e mesmo assim, eles devem ter bastante abnegação para servir de bom grado as casas que os sustentam, além de dar aulas de manhã, de tarde e de noite. Os violinistas estão na pior de todas as posições; pressupõe-se que eles tocarão por nada, uma vez que se pode prontamente encontrar dez diletantes que o farão com grande prazer, talvez com competência talvez não. Concertos privados pagos são raros; e se acaso se organiza algum, o músico, por uma série de razões, recebe pouco. Aulas de música não são nem de longe tão recompensadoras quanto um dia foram, uma vez que há sempre um diletante disposto a fazê-lo por uma merreca; o mesmo se pode dizer das performances para os quartetos, outrora uma atividade tão lucrativa para os músicos. Na sociedade dos burgueses mais prósperos e nas casas aristocráticas, o músico hoje é menos respeitado do que nunca, de fato é mesmo humilhado; a bem da verdade, muitos dos nossos músicos desencadearam esta dolorosa situação contra si mesmos por sua falta de cultura, por suas maneiras grosseiras, por sua vida depravada etc. Mas, assim como há exceções entre os músicos, assim também há famílias dignas para as quais as queixas acima não se aplicam.

 

Tradução: Marcelo Consentino

Ilustração: “Franz Schubert ao piano”, pintura a óleo de Julius Schmid, 1897 d.C.