Mimesis: a origem da poesia

Dos Capítulos IV e V da Poética de Aristóteles. Atenas, século IV a.C.

 

A poesia em geral parece surgir de duas causas, cada uma delas profundamente enraizada na nossa natureza. Primeiro, o instinto de imitação, implantado no homem desde a infância, sendo que uma das diferenças entre ele e os animais é que ele é o mais imitativo dos seres vivos, e através da imitação aprende suas primeiras lições; e não menos universal é o prazer que sentimos nas coisas imitadas. Temos evidência disso nos fatos da experiência. Objetos que em si mesmos vemos com dor, contemplamos com gozo se reproduzidos com fidelidade minuciosa, como, por exemplo, as imagens dos mais ignóbeis animais ou de cadáveres. A causa disso, mais uma vez, é que o aprendizado nos dá o mais vívido dos prazeres, não somente aos filósofos, mas aos homens em geral, ainda que sua capacidade de aprendizado seja mais limitada. Assim, a razão pela qual os homens apreciam ver alguma similitude é que, ao contemplá-la eles se veem a si mesmos aprendendo ou compreendendo, e talvez exclamando “Ah, é ele!” Pois se por acaso você não conhece o modelo original, o prazer será devido não à imitação enquanto tal, mas à execução, às cores, ou alguma outra causa.

A imitação, portanto, é um instinto de nossa natureza. Depois, há o instinto para a “harmonia” e o ritmo, sendo a metrificação um componente manifesto do ritmo. Os homens, portanto, começando com esse dom natural desenvolveram gradativamente suas aptidões especiais, até que as suas rudes improvisações deram à luz a poesia.

A poesia então se orientou em duas direções, de acordo com o caráter individual dos escritores. Os espíritos mais graves imitaram as ações nobres, e as ações de homens bons. Os tipos mais triviais imitaram as ações das pessoas medíocres, primeiro compondo sátiras, assim como aqueles compuseram hinos aos deuses e elegias aos homens célebres. Um poema do tipo satírico não pode com efeito ser atribuído a qualquer autor mais antigo que Homero; embora seja provável que houvesse muitos escritores desse gênero. Mas de Homero em diante, vários exemplos podem ser citados – seu próprio Margites, por exemplo, e outras composições similares. A metrificação apropriada também foi introduzida aqui; assim a medida é até hoje chamada “iâmbica” ou satírica, sendo aquela com a qual as pessoas satirizavam umas as outras. Dessa forma, os antigos poetas eram distinguidos entre escritores de versos heróicos e satíricos.

Assim como no estilo sério Homero é preeminente entre os poetas, pois só ele combina formas dramáticas com a excelência na imitação, assim também ele foi o primeiro a estabelecer as linhas mestras da comédia, ao dramatizar o ridículo ao invés de escrever sátiras pessoais. O seu Margites guarda a mesma relação com a comédia que a Ilíada e a Odisseia guardam com a tragédia. Mas quando a tragédia e a comédia vieram à luz, as duas classes de poetas continuaram a seguir sua inclinação natural: os satíricos tornaram-se escritores de comédias, e os poetas épicos foram sucedidos pelos trágicos, uma vez que o drama era um gênero de arte mais amplo e elevado.

Se a tragédia já chegou à perfeição de suas formas ou não, ou se deve ser julgada por si mesma ou por sua relação para com a audiência, isto já é uma outra questão. Seja como for, a tragédia – assim como a comédia – foi, de início, uma improvisação. Uma se originou com os autores do Ditirambo a outra com aqueles das canções fálicas, ainda usuais em muitas das nossas cidades. A tragédia avançou a passos lentos; cada novo elemento que surgiu foi devidamente desenvolvido. Tendo passado por muitas mudanças, encontrou a sua forma natural e então parou.

Ésquilo foi o primeiro a introduzir um segundo ator; ele diminuiu a importância do coro e transferiu a parte mais relevante ao diálogo. Sófocles amentou o número de atores para três, e adicionou o cenário. Além disso, foi só muito recentemente que o enredo curto foi descartado em função de um compasso mais amplo, e a dicção grotesca das formas satíricas primitivas foi substituída pelo estilo mais imponente da tragédia. A medida iâmbica foi então substituída pelo tetrâmetro trocaico, que era empregado originalmente quando a poesia era do gênero satírica, e tinha maiores afinidades com a dança. Uma vez que o diálogo surgiu em cena, a própria Natureza descobriu a medida justa. Pois a iâmbica é, de todas as medidas, a mais coloquial: vemos isso no fato de que o discurso conversacional segue as linhas iâmbicas com mais frequência do que qualquer outro tipo de verso; raramente em hexâmetros, e somente quando abandonamos a entonação coloquial.

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A Comédia, como já dissemos, é uma imitação de maus caracteres, não, contudo, no sentido pleno do termo “mau”, já que o ridículo é somente uma subdivisão do feio. Ele consiste em alguma falha ou deformidade que não é dolorosa ou destrutiva. Para dar um exemplo óbvio, a máscara cômica é feia e distorcida, mas não provoca dor.

As sucessivas transformações pelas quais a Tragédia passou, e os autores dessas transformações, são bem conhecidos. Já a Comédia não tem uma história, porque de início não foi tratada com seriedade. Muito se passou antes que o Arconte concedesse um coro cômico a um poeta; até então as performances se faziam por voluntariado. A Comédia já tinha tomado formas definidas quando pela primeira vez ouvimos falar de poetas cômicos célebres. Quem as equipou com máscaras, ou prólogos, ou grandes elencos – estes e outros detalhes similares permanecem desconhecidos. Quanto ao enredo, veio originalmente da Sicília; mas dos dramaturgos atenienses, Crates foi o primeiro que, abandonando a forma “iâmbica” e a satírica, generalizou seus temas e enredos.

A Epopeia concorda com a Tragédia na medida em que é uma imitação em verso de personalidades de um tipo superior. Diferem, na medida em que a poesia Épica admite somente uma métrica, e, em sua forma, é narrativa. Diferem ainda nas suas dimensões: pois a Tragédia busca, até onde possível, confinar-se a si mesma em uma única revolução do sol, ou exceder minimamente esse limite. A ação Épica, por sua vez, não tem limites de tempo. Este, portanto, é um segundo ponto de diferenciação; embora na origem a mesma liberdade fosse admitida tanto na poesia trágica quanto na épica.

De suas partes constituintes algumas são comuns a ambas, algumas são exclusivas da Tragédia, e portanto quem quer que saiba o que é bom e o que é mau nas Tragédias, também o sabe nas Epopeias. Todos os elementos de um poema épico podem ser encontrados na Tragédia, mas dos elementos da Tragédia nem todos podem ser encontradas na Epopeia.