Das portas que um músico genial pode abrir

Carta de Claudio Monteverdi ao Cardeal Ferdinando Gonzaga. Mântua, 1610 d.C.

Tradução de Ligiana Costa. Editora Unesp.

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Apesar da abertura de possibilidades musicais em Mântua, Monteverdi tinha muito do que se lamentar: salário baixos demais e problemas sérios em recebê-lo nos prazos combinados. Por isso, em 1610, escreve uma missa e as famosas Vésperas da Beata Virgem, dedicadas ao Papa Paulo V. Monteverdi vai até Roma na tentativa de entregá-las em mãos ao próprio papa, certamente na esperança de obter um novo posto e tentar uma vaga gratuita para seu filho Francesco no Seminário Romano. Nenhum dos dois objetivos é atingido e Monteverdi volta para Mântua passando por Florença, tomando contato com outras realidades musicais.

Mântua, 28 de dezembro de 1610

Ao cardeal Ferdinando Gonzaga, Roma.

 

Meu senhor ilustríssimo e patrão estimadíssimo,

Pela presente venho pedir a Deus com todo o afeto do coração que dê um bom ano novo a vossa senhoria ilustríssima, um ótimo meio e o melhor final a cada um de seus ilustríssimos pensamentos e que a mim dê sempre a oportunidade de merecer a graça de vossa senhoria ilustríssima, graça com a qual, estou certíssimo, me será concedido ter a alegria, antes que eu morra, de ver meu filho no seminário romano com algum benefício da Igreja que pague sua pensão, sendo eu pobre. Sem essa graça, nenhuma ajuda eu poderia esperar de Roma para meu Franceschino, que já se tornou seminarista para viver e morrer em tal vocação sob vossa proteção, ele que é servidor humilíssimo de vossa senhoria ilustríssima, sendo vassalo da sereníssima Casa Gonzaga, nascido de pai e mãe servidores de muito tempo das vossas altezas sereníssimas e de um casamento feito com consentimento especial do sereníssimo senhor duque Vincenzo. Se Roma, com o auxílio de vossa senhoria ilustríssima, não o ajudar, ele e seu irmão ficariam tão pobres que mal conseguiriam chegar até o fim do ano com pão e vinho somente, caso eu viesse a lhes faltar. Tentarei obter de sua santidade algum benefício simples ou outro que seja uma renda suficiente, para tal, se vossa senhoria ilustríssima se dignar em me fazer o favor de apresentar-nos, ele e eu, juntos (como espero de sua infinita bondade) ou à sua santidade ou ao monsenhor ilustríssimo datário, de modo contrário eu não ousaria lhe pedir nenhuma graça temendo tê-lo enfastiado muito quando estive em Roma.

Antes de deixar Roma ouvi a senhora Hippolita cantar muito bem; em Florença, a senhora filha do senhor Giulio Romano cantar muito bem e tocar alaúde chitaronato e cravo; mas ouvi em Mântua a senhora Adriana cantar muito bem, tocar muito bem e falar muito bem: mesmo quando ela afina seu instrumento ou se cala, dá motivos para ser admirada e louvada dignamente! Fui obrigado a assegurar-lhe o quanto os ilustríssimos senhores cardeais Mont’Alto e Perretti a honravam e estimavam, e vossa senhoria ilustríssima ainda mais. Em resposta a tal louvação de vossa senhoria ilustríssima ela disse: “A senhora Hippolita ocupa um lugar mais digno que o meu nas graças desse senhor, que eu não ocupo, pois ouvi os elogios infinitos que ele lhe faz”, sobre isto me esforcei muito em fazê-la pensar o contrário, mas me parece que não obtive o resultado que desejava. Depois disso ela inteirou: “Se o cardeal Gonzaga me tivesse em consideração como dizeis, por todas vossas razões ele teria me honrado com uma de suas belas árias para que eu pudesse cantar”. Meu caro senhor, me faça digno de uma de suas árias para que eu possa desfazer o equívoco; nesta mesma ocasião imploro que vossa senhoria ilustríssima ordene ao senhor Santi que me mande a cantata com dois chitarroni que vossa senhoria ilustríssima me prometeu para que eu a faça executar a sua alteza sereníssima na Sala dos Espelhos em uma sexta-feira à noite. Permaneço como vosso gratíssimo servidor e aqui, por fim, lhe faço humilíssima reverência e lhe beijo as mãos.

Humilíssimo e gratíssimo servidor de vossa senhoria ilustríssima

Claudio Monteverdi