Uma carta aberta ao presidente Roosevelt, ou: Para curar os males da Depressão

De John Maynard Keynes, publicada no New York Times em 1933 d.C.

 

Caro Senhor Presidente,

Você se fez o Guardião daqueles que em cada país buscam reparar os males da nossa condição através da experimentação racional dentro do quadro do nosso  sistema social existente. Se você falhar, a transformação racional será gravemente prejudicada ao redor do mundo, deixando a ortodoxia e a revolução lutando entre si. Mas se for bem sucedido, métodos novos e ousados serão experimentados por toda parte, e poderemos datar o primeiro capítulo de uma nova era econômica a partir de sua ascensão ao cargo. Esta é uma razão suficiente para que eu me arrisque a apresentar minhas reflexões a você, ainda que sob as desvantagens da distância e do conhecimento parcial.

No momento seus simpatizantes na Inglaterra estão nervosos e por vezes desencorajados. Perguntamo-nos se a ordem das diferentes urgências foi corretamente entendida, se há uma confusão no objetivo, e se alguns dos conselhos que foram dados a você não são excêntricos e estranhos. Se ficamos desconcertados ao defendê-lo, isto pode ser em parte devido à influência do nosso ambiente em Londres. Pois quase todos têm uma visão selvagemente distorcida do que está acontecendo nos Estados Unidos. O homem comum da Cidade acredita que você está empenhado numa expedição amalucada ante uma assessoria competente, que a melhor esperança seria você se livrar de seus atuais assessores e retornar aos velhos modos, e que não sendo assim os Estados Unidos estarão se encaminhando para algum pavoroso colapso. É isso, segundo eles, o que sentem pelo cheiro. Há uma recrudescência de boas cabeças numa batalha contra aqueles que creem que o nariz é um órgão mais nobre que o cérebro. Londres está convencida de que tudo o que precisamos é nos sentar recostados e esperar, a fim de ver o que haveremos de ver. Permita-me solicitar sua atenção, enquanto apresento minha própria visão?

Você está empenhado em uma dupla tarefa, Recuperação e Reforma; recuperação da queda e implementação daqueles negócios e das reformas sociais há muito tempo necessárias. Para a primeira, velocidade e resultados rápidos são essenciais. A segunda pode ser urgente também; mas a pressa seria prejudicial, e a sabedoria de longo prazo é mais necessária do que a conquista imediata. Será erguendo alto o prestígio de sua administração pelo sucesso na Recuperação de curto prazo, que você terá a mobilização de forças necessária para a Reforma a longo prazo. Por outro lado, mesmo a Reforma inteligente e necessária poderá, em algum aspectos, impedir e complicar a Recuperação. Pois irá frustrar a confiança do mundo dos negócios e enfraquecer as motivações existentes para a ação, antes que você tenha tempo para substitui-las com outras motivações. Isso talvez sobrecarregue a sua máquina burocrática, que o individualismo tradicional dos Estados Unidos e o velho “sistema de espólios” [de distribuição de cargos pelos partidos políticos] enfraqueceu por completo. E confundirá o pensamento e o objetivo do senhor e o da sua administração dando-lhe muita coisa para pensar de uma vez só.

Pois bem, não é tão claro para mim, olhando para trás ao longo dos últimos nove meses, que a ordem de urgência entre as medidas de Recuperação e as medidas de Reforma foi devidamente observada, ou que a última não foi por vezes tomada equivocadamente pela primeira. Em especial, não consigo detectar qualquer auxílio material para a recuperação no Ato Nacional de Recuperação da Indústria, ainda que seus ganhos sociais tenham sido grandes. A força motriz que tem sido posta por trás da vasta tarefa administrativa estabelecida por este Ato parece ter representado uma escolha errada na ordem de urgências. O Ato está no Livro do Estatuto; um esforço considerável foi empregado rumo à sua implementação; mas seria melhor pelo momento permitir que experiência se acumule antes de tentar forçá-lo em todos os seus detalhes. Esta é a minha primeira reflexão: que o Ato Nacional de Recuperação da Indústria, que é essencialmente Reforma e provavelmente impede a Recuperação, foi implementado com demasiada pressa, falsamente disfarçado como parte da técnica de Recuperação.

Minha segunda reflexão diz respeito à própria técnica de Recuperação. O objetivo da recuperação é incrementar a produção nacional e pôr os homens para trabalhar. No sistema econômico do mundo moderno, a produção é primariamente realizada para a venda; e o volume da produção depende da quantidade do poder de compra, comparado com o custo primário da produção, que se espera que exista no mercado. Falando em linhas gerais, portanto, o aumento da produção depende da quantidade do poder aquisitivo, em comparação com o preço do custo da produção, que se espera que advenha no mercado. Por conseguinte, um aumento na produção não pode ocorrer a não ser pelo funcionamento de um ou outro destes três fatores. Os indivíduos devem ser induzidos a gastar mais a partir dos seus rendimentos existentes; ou o mundo dos negócios deve ser induzido, seja por uma confiança aumentada nas perspectivas ou por uma baixa taxa de juros, a criar rendimentos adicionais nas mãos de seus empregados, que é o que acontece quando tanto o trabalho quanto o capital fixo do país estão em crescimento; ou o poder público deve ser chamado a intervir a fim de se criar rendimentos adicionais através do subsídio de dinheiro emprestado ou emitido. Em tempos difíceis, não se pode esperar que o primeiro fator funcione numa escala suficiente. O segundo fator virá como a segunda onda de ataque à crise após a maré ter sido revertida pelos subsídios do poder público. É, portanto, somente a partir do terceiro fator que podemos esperar o impulso inicial mais substancial.

Ora, há indicações de que duas falácias técnicas podem ter afetado a política da nossa administração. A primeira diz respeito ao papel que tem na recuperação a alta de preços. A alta de preços deve ser bem recebida porque ela é habitualmente o sintoma de uma alta na produção e no emprego. Quando se emprega mais poder de compra, espera-se uma alta de preços. Uma vez que não pode haver uma alta na produção sem uma alta nos preços, é essencial assegurar-se de que a recuperação não será retrasada pela insuficiência no fornecimento de dinheiro para dar suporte à virada monetária aumentada. Mas há muito menos a se dizer em favor da alta de preços, se ela ocorre às custas da alta da produção. Alguns devedores podem ser auxiliados, mas a recuperação nacional como um todo será retardada. Assim, a alta de preços deliberadamente causada pelo crescimento dos custos primários ou pela restrição da produção tem um valor vastamente inferior à alta de preços que é um resultado natural de um crescimento no poder de compra de uma nação.

Eu não pretendo impugnar a justiça social e a conveniência social da redistribuição de renda previstas pelo Ato Nacional de Recuperação da Indústria, e pelos vários regimes de restrição agrícola. Este último, em particular, eu apoio fortemente por princípio. Mas uma demasiada ênfase no valor de remediação de uma grande alta nos preços como um objetivo em si mesmo pode levar a sérios equívocos quanto ao papel que os preços podem ter na técnica de recuperação. O estímulo à produção através do crescimento do poder aquisitivo agregado é o modo justo de se elevar os preços; e não o contrário.

Assim, quanto ao motivador primário na primeira fase da técnica de recuperação, eu enfatizo fortemente o aumento do poder aquisitivo nacional resultante de um gasto governamental financiado por Empréstimos e não pela taxação dos atuais rendimentos. Nada é tão importante quanto isso. Num boom, a inflação pode ser causada através da concessão de crédito ilimitado para dar suporte ao entusiasmo excitado dos especuladores financeiros. Mas numa crise, o subsídio de Empréstimos pelo governo é o único meio seguro de garantir rapidamente uma alta na produção em meio a uma alta nos preços. É por isso que a guerra sempre resultou em intensa atividade industrial. No passado, a ortodoxia nas finanças via a guerra como a única desculpa legítima para a criação de empregos e para os subsídios governamentais. Você, Senhor Presidente, tendo rompido tais grilhões, está livre para empregar no interesse da paz e da prosperidade a técnica que até o presente só foi autorizada a servir aos propósitos da guerra e da destruição.

O retrocesso que a recuperação americana experimentou neste outono foi a consequência previsível da falência de nossa administração em organizar qualquer aumento material em novos despendimentos de Empréstimos durante os primeiros seis meses de governo. A posição daqui a seis meses portanto dependerá inteiramente das fundações que você tiver lançado para maiores subsídios no futuro próximo.

Não me surpreende que tão pouco tenha sido despendido até o momento. Nossa própria experiência mostrou o quão difícil é improvisar Empréstimos úteis a curto prazo. Há muitos obstáculos a serem pacientemente vencidos, se quisermos evitar o desperdício, a ineficiência e a corrupção. Há muitos fatores, que não preciso me deter para enumerar, que fazem com que seja especialmente difícil nos Estados Unidos a rápida improvisação de um vasto programa de obras públicas. Não culpo Mr. Ickes [, o Secretário do Interior,] por ter sido cauteloso e cuidadoso. Mas os riscos de uma velocidade menor devem ser pesados contra os de uma maior pressa. Ele deve atravessar os desfiladeiros antes que a noite caia.

O conjunto das demais falácias, das quais temo a influência, surge de uma rigorosa doutrina econômica comumente conhecida como a Teoria Quantitativa do Dinheiro. A alta na produção e nos rendimentos sofrerá um revés mais cedo ou mais tarde se a quantidade de dinheiro for rigidamente fixada. Algumas pessoas parecem inferir disto que a produção e a renda podem ser aumentadas aumentando-se a quantidade de dinheiro. Mas isso é como tentar engordar comprando um sinto mais largo. Nos Estados Unidos de hoje nosso cinto é suficientemente grande para a nossa barriga. É um erro dos grandes enfatizar mais a quantidade de dinheiro, que não passa de um fator limitador, do que o volume dos subsídios, que é o fator operativo.

É uma aplicação ainda mais tola das mesmas ideias acreditar que haja uma relação matemática entre o preço do ouro e os preços das outras coisas. É verdade que o valor do dólar em termos de moedas estrangeiras afetará os preços daqueles bens que entram no comércio internacional. Até onde uma sobrevalorização do dólar estava impedindo a liberdade da política doméstica de alta de preços ou perturbando o equilíbrio dos pagamentos junto aos países estrangeiros, era aconselhável depreciá-lo. Mas a depreciação do câmbio deveria se seguir ao êxito de suas políticas domésticas de alta de preços como a sua consequência natural, e não se deveria permitir que ela perturbasse o mundo inteiro antepondo a sua justificação num ritmo inteiramente arbitrário. Este é outro exemplo de uma tentativa de se ganhar massa alargando o cinto.

Estes criticismos não significam que eu tenha enfraquecido em minha defesa de uma moeda administrada ou em preferir preços estáveis a câmbios estáveis. A política monetária e comercial de um país deve ser inteiramente subserviente ao objetivo de se aumentar a produção e o emprego ao nível justo. Mas os recentes giros do dólar me parecem mais como um padrão ouro bêbado do que com o ideal de gerenciamento monetário dos meus sonhos.

Você deve estar sentindo nesses tempos, Senhor Presidente, que o meu criticismo é mais óbvio do que a minha simpatia. No entanto, a verdade é que não é esse o caso. Você permanece para mim o governante cuja situação geral e atitude para com as tarefas do governo são as mais simpáticas no mundo. Você é o único que vê a necessidade de uma profunda mudança nos métodos e que a está buscando sem intolerância, tirania ou destruição. Você está experimentando o seu caminho por tentativa e erro, e se sente, como deveria, totalmente descompromissado em sua própria pessoa com os detalhes de uma técnica particular. Em meu país, assim como no seu, a sua posição permanece singularmente intocada por um criticismo deste ou daquele detalhe. Nossa esperança e nossa fé estão baseadas em considerações mais amplas.

Se você viesse a me perguntar a minha sugestão em termos concretos para o futuro imediato, eu responderia isso.

No campo da desvalorização do ouro e da política comercial chegou o tempo em que a incerteza deve acabar. Este jogo de cabra-cega com os especuladores comerciais não serve a qualquer propósito útil e é extremamente indigno. Ele frustra a confiança, mina as decisões nos negócios, ocupa a atenção pública numa medida que excede em muito a sua real importância, e é responsável tanto pela irritação quanto por uma certa falta de respeito que existe no exterior. Você tem três alternativas. Você pode desvalorizar o dólar em relação ao ouro, retornando ao padrão ouro em uma nova proporção fixa. Isto seria inconsistente com suas declarações em favor de uma política de longo prazo de preços estáveis, e eu espero que você a rejeite. Você pode buscar alguma política comum de estabilização cambiária com a Grã-Bretanha visando níveis de preços estáveis. Esta seria a melhor solução definitiva; mas é uma política pouco prática no momento a menos que você esteja pronto a falar em termos de um valor inicial da libra muito abaixo de $5 a espera da concretização de um aumento expressivo em seu nível de preço doméstico. Por fim, você pode anunciar que irá controlar definitivamente o câmbio do dólar comprando e vendendo ouro e moedas estrangeiras a fim de se evitar flutuações amplas ou sem sentido, com direito a alterar as taxas a qualquer momento mas com uma intenção declarada de só o fazer para corrigir uma séria falta de equilíbrio entre as receitas e os pagamentos da América ou então a fim de se empreender uma mudança em seu nível do preço doméstico relativamente aos preços praticados no exterior. Esta me parece ser a melhor política durante este período transicional. Em outros aspectos você recuperaria a sua liberdade de tornar a sua política de câmbio subserviente às necessidades de sua política doméstica – livre para afrouxar o seu cinto na proporção em que ganha carne.

No campo da política doméstica, eu ponho no topo das prioridades, pelas razões apresentadas acima, um largo volume de Empréstimos subsidiados aos auspícios do Governo. Foge à minha alçada escolher os objetivos particulares de tais subsídios. Mas a preferência deveria ser dada àqueles que podem amadurecer rapidamente em larga escala, como por exemplo a reabilitação da condição física das estradas. O objetivo é por a bola pra rolar. Os Estados Unidos estão prontos para avançar rumo à prosperidade, se um empurrão dos bons for dado nos próximos seis meses. Acaso a energia e o entusiasmo, que lançaram o Ato Nacional de Recuperação da Indústria em seus primeiros dias, não poderiam ser postos por trás de uma campanha para acelerar os subsídios de capital, tão criteriosamente selecionados quanto as circunstâncias permitirem? Você pode ao menos ter certeza de que o país irá se enriquecer melhor com tais projetos do que com o ócio involuntário de milhões.

Ponho em segundo lugar a manutenção de um crédito barato e abundante e a particular redução das tarifas de juros a longo prazo. O virada da maré na Grã-Bretanha é largamente atribuível à redução na taxa de juros a longo prazo que se seguiu ao êxito da conversão dos Empréstimos durante a Guerra. Isto foi deliberadamente implementado por meio de uma política de mercado aberto por parte do Banco da Inglaterra. Não vejo nenhuma razão pela qual você não deveria reduzir a sua taxa de juros em seus Títulos Públicos de longo prazo para 2½ por cento ou menos com repercussões favoráveis em todo o mercado de títulos, bastando para isso que o Sistema de Reserva Federal substitua suas atuais carteiras de títulos do Tesouro a curto prazo comprando em troca títulos a longo prazo. Tal política pode se mostrar efetiva no curso de uns poucos meses, e eu dou grande importância a isso.

Com tais adaptações ou alargamentos de suas políticas atuais, eu esperaria um desfecho bem sucedido com muita confiança. Quanto isso significaria, não só para a prosperidade material dos Estados Unidos e de todo o Mundo, mas para a tranquilidade das mentes dos homens através de uma recuperação de sua fé na sabedoria e no poder do Governo!

Com grande respeito,

Seu servo obediente

John Maynard Keynes